Francisco Brennand: "A morte é a sensação violenta da vida"

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 11/06/2017 às 10:30
Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand - Foto: Dayvison Nunes/JC Imagem
Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand - Foto: Dayvison Nunes/JC Imagem

"A morte é a sensação violenta da vida", nos disse Francisco Brennand, na última vez em que o entrevistamos, há cinco anos, para o Natal de 2014. Naquele encontro de mais de 1h, o artista plástico - que morreu nesta quinta (19), aos 92 anos, devido a um quadro de pneumonia - nos falou sobre vida e morte, amor, velhice e solidão, com a sabedoria que, junto à sua arte, lhe tornaram um notável. É com a sabedoria dele sobre esses assuntos tão caros à existência humana que nos despedimos do artista e abraçamos seu legado.

LEIA MAIS: Morre, aos 92 anos, o grande artista plástico Francisco Brennand

O especial de Natal publicado em 2014, na íntegra, você lê aqui: Com Francisco Brennand, vida e arte. Entrevista de Romero Rafael, fotos de Dayvison Nunes e vídeos de Luiz Pessoa.

Fotos: Dayvison Nunes/JC Imagem Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand

"Eu sou um fabricante de ídolos"

Para Brennand, de todos os visitantes que já recebeu na Oficina, a bióloga chilena Cecilia Toro foi quem melhor falou sobre seu trabalho. Ela desenvolveu o estudo "Brennand: as matrizes da vida", em que enxerga nas obras do artista formas primitivas de vida. Comparação possível graças à pesquisa de seres, como vermes, feitas por Cecilia em microscópio de varredura. "Foi para mim de uma utilidade enorme: eu não estava trabalhando com formas inexistentes!", exclama ele, que se diz fabricante de seres com vida.

"Não posso dizer que isso é solidão"

Propagado como um homem recluso, de silêncio e solidão, Brennand trabalha ouvindo música e rechaça a fama de viver só. Defende-se com o fato de trabalhar ao lado da filha Helena Viktoria Brennand, a quem chama de "guardiã" daquele espaço e também "flor rara", por colocá-lo na internet e nas redes sociais. "Se você não está na internet, você está morto", diz, rindo. Muito embora ele confesse que a melhor companhia não é a de Helena nem das suas obras, mas a dos seus diários e livros.

"A vida é um enigma; esse enigma é o próprio Deus"

A vida e o tempo são para Brennand enigmáticos. E ele se conforta nisso: "Não é claro, é turvo, e isso me faz dormir em paz, porque senão eu não dormiria". Continua: "Nós pensamos e partimos de um zero a esquerda e nos projetamos para um infinito... Acho que é um abuso de confiança. Acredito mais num eterno retorno, num tempo circular e que não há nada de novo. Acredito que as coisas que aconteceram estão acontecendo e irão acontecer. Mas vocês [jovens] podem ter esse privilégio de pensar que somos novos. Eu já não tenho".

"A velhice não é boa para ninguém"

Quando confrontado com o envelhecer, Francisco Brennand relembra a juventude do ponto de vista físico, dos movimentos agora não mais possíveis com a idade avançada. Rememora: "Eu cultivei muito na juventude a natação - o nado é uma maravilha! Fiz pesca submarina, jogava futebol, tênis, voleibol, basquete, tudo igualzinho aos outros. Apenas os meus interesses pela literatura e pintura foram se intensificando e eu preferi ir para a Europa, que marcou a minha vida para sempre. E se ser um pintor é não ser ninguém, então eu sou ninguém".

"A morte é obscena"

O artista, que conta ter medo do que pode lhe ocorrer, ou ocorrer aos seus ("Leia o jornal com atenção e se você não tiver medo você é um herói"), acha a morte uma violência: "A morte é a sensação violenta da vida; é o contrário da vida". E também discorda das cerimônias mortuárias. Até já deixou em testamento que quer ser cremado, sobretudo por causa da sua relação com o fogo. Sobre desejos póstumos, sonha na manutenção da Oficina e da obra que lá está. "É o meu legado".

"Ela protegeu a minha retaguarda"

"Pela primeira vez que a vi, com aqueles olhos claros, ela era baixinha, linda, linda, maravilhosa...", descreve Brennand recordando-se da ex-mulher, a poeta Deborah Brennand, com quem viveu por cerca de 20 anos e com quem gerou as filhas Maria Helena e Neném Brennand. Os dois se conheceram no Colégio Oswaldo Cruz, no Recife. "Eu cometi a ignomínia de retirá-la da Faculdade de Direito do Recife. Propus a ela casamento e uma viagem a Paris. Qual moça recusaria? Então, ela viajou comigo".

Registro do jovem casal Francisco e Deborah Brennand Registro do jovem casal Francisco e Deborah Brennand

Foto: Dayvison Nunes/JC Imagem - Foto: Dayvison Nunes/JC Imagem
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Em mais de uma hora com Brennand falamos também sobre política, televisão, meio-ambiente, arte... A transcrição da conversa segue na íntegra:

https://pt.slideshare.net/romerorafael/com-francico-brennand-aos

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