Governo quer providências para evitar espionagem no Brasil. EUA se esquiva

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 08/07/2013 às 14:14

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Revelação de ciberespionagem no Brasil é mais uma peça no quebra-cabeça iniciado com o escândalo do PRISM (Foto: AFP)

O Governo brasileiro está mostrando preocupação sobre a revelação de ciberespionagem dos EUA no Brasil.

A denúncia foi publicada no jornal O Globo deste domingo (7). Segundo a matéria telefonemas e transmissões de dados de empresas e pessoas brasileiras teriam sido alvo de espionagem por parte do governo dos Estados Unidos. A presidente Dilma Rousseff se reuniu nesta manhã de segunda (8) com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo para aprovar uma série de providências.

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No campo político, o ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, informou que interpelaria o governo dos Estados Unidos por meio da embaixada em Washington e em conversa com o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon. Ele participou da reunião por telefone, pois estava em Paraty (RJ). "Esse é o primeiro passo", disse Bernardo. No encontro, foi discutida com o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, a possibilidade de a Polícia Federal entrar nas investigações, caso as informações prestadas pelos EUA não sejam suficientes.

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Governo brasileiro classificou como "grave" as denúncias (Foto: Agência Brasil)

Anatel quer explicações

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vai questionar as empresas de telecomunicações no País para saber se elas têm algum contrato que preveja troca de informações com empresas norte-americanas. Segundo a reportagem do Globo, essa teria sido a via pela qual a Agência Nacional de Segurança (NSA) teria tido acesso a um número grande, mas não estimado, de telefonemas e dados do Brasil.

Bernardo acha pouco provável que possa haver esse tipo de acordo. Ele considera mais provável que a suposta espionagem tenha ocorrido no trânsito das informações nos cabos submarinos. "Se você faz uma ligação para o Japão, ela passa pelos Estados Unidos", explicou. Dilma pediu também para avançar em propostas legislativas para melhorar a segurança de dados no País. A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, foi orientada a pedir ao Congresso que dê prioridade à votação do marco civil da Internet. Além disso, o Ministério da Justiça está concluindo um anteprojeto de lei que melhorará a proteção de dados individuais.

O ministro das Comunicações considera essas duas medidas no campo legislativo importantes, mas de alcance limitado. "A Internet é comandada por uma empresa privada norte-americana sediada na Califórnia", comentou. Assim, nem todas as normas aprovadas aqui teriam validade para serviços na rede. "Isso não está certo."

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Governo dos EUA evitou comentar e disse que todos os países espionam (Foto: AFP)

Embaixada dos EUA no Brasil fica em silêncio

O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota admitiu que recebeu com "grave preocupação" as informações de que contatos eletrônicos e telefônicos de cidadãos brasileiros estariam sendo monitorados. O ministro disse que o governo do Brasil apresentará iniciativas na Organização das Nações Unidas (ONU) pelo estabelecimento de normas claras de comportamento para os países quanto à privacidade das comunicações dos cidadãos e a preservação da soberania dos demais Estados.

O Itamaraty pretende ainda pedir à União Internacional de Telecomunicações (UIT), em Genebra, na Suíça, o aperfeiçoamento de regras multilaterais sobre segurança das telecomunicações. As informações sobre espionagem a cidadãos brasileiros vieram à tona a três meses da primeira visita de Estado da presidenta Dilma Rousseff aos Estados Unidos. A visita da presidenta está prevista para 23 de outubro e foi confirmada pelas autoridades. A visita de Estado é considerada pelos norte-americanos como especial por ser autorizada apenas a alguns parceiros.

O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, está prestes a deixar o cargo. Para o lugar dele foi designada a diplomata Liliana Ayalde. A informação foi confirmada há um mês, mas por enquanto não há data para a substituição ocorrer. Ayalde é atualmente secretária-assistente adjunta de Estado para Cuba, América Central e Caribe, no setor de Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado Americano.

Por intermédio de e-mail, o Departamento de Estado norte-americano havia informado que dará resposta apropriada à demanda brasileira. “O governo dos Estados Unidos vai responder apropriadamente a nossos parceiros no Brasil pelas vias diplomáticas e de inteligência. Não vamos comentar publicamente ou especificar supostas atividades de inteligência. Como política, deixamos claro que os EUA obtêm inteligência estrangeira do tipo coletado por todas as nações", diz o texto.

O governo brasileiro defende a criação de um organismo internacional para regular a rede mundial de computadores. Esse é um dos debates que o Itamaraty pretende levantar nas Nações Unidas.

Big data é poder

A revista Info publicou nesta segunda (8) que o governo dos EUA usa tecnologias de big data para dar conta da quantidade de dados coletados. Citando James Bamford, autor de diversos livros sobre a agência de inteligência norte-americana, a NSA, a publicação diz que a NSA possui um gigantesco data center em Bluffdale, em Utah.

Com isso, basta digitar o nome de alguém para que todas as conversas sejam registradas e todos os emails e mensagens sejam interceptados e armazenados. Os computadores fazem a análise desses dados. Segundo o governo americano, o esquema de espionagem tem como objetivo combater o terrorismo.

Em entrevista ao jornal Bom Dia Brasil da TV Globo, o jornalista Glenn Greenwald disse que o Brasil é um dos países mais vigiados pelos EUA. Greenwald mora no Rio de Janeiro e assinou a matéria do The Guardian sobre o esquema de espionagem revelado por Edward Snowden. "É irônico que com todos esses dados os EUA não consigam impedir atentados terroristas", disse, fazendo referência à tragédia em Boston este ano. "Acredito que eles coletem todos essas informações para obter mais poder", disse. [Com Agência Brasil e Agência Estado]