Ariano Suassuna e os 60 anos do "Auto da Compadecida"

Mirella Martins
Mirella Martins
Publicado em 16/06/2015 às 10:11
Ariano Suassuna. Foto: reprodução/internet
Ariano Suassuna. Foto: reprodução/internet

Ariano Suassuna. Foto: reprodução/internet Ariano Suassuna. Fotos: reprodução/internet

Por Adriana Victor

Ariano, cuja criação é composta por romance, teatro, poesia e ensaio, sempre dizia que era muito difícil para ele escolher apenas um entre os seus livros. Mas, quem o conheceu, sabia bem: não era de deixar pergunta sem resposta e costumava ir além da reflexão provocada. Assim, avaliava que, caso precisasse salvar apenas uma de suas obras de um hipotético incêndio, levaria nas mãos o Romance d’A Pedra do Reino, “obra na qual me expressei de forma mais completa”.

Se A Pedra do Reino fez com que ele ascendesse ao panteão dos grandes escritores brasileiros – “não é qualquer vida que gera obra desse calibre”, afirmaria o poeta Drummond – o Auto da Compadecida, criação que chega aos 60 anos neste 2015, misturou Ariano ao povo do Brasil Real, à gente que ele amou com devoção, com apaixonado e sincero fervor.

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“Quem um dia ler o Auto da Compadecida, vai saber que eu estou do lado de João Grilo e de Chicó, os dois personagens que representam o povo do Brasil Real”, asseverava. Referia-se àqueles que usam a perspicácia para a sobrevivência, a astúcia como necessidade. E, apesar de sua professada fé, valeu-se do livro para fazer críticas à Igreja que afasta de si os mais pobres e as lições do Cristo, que propaga a exclusão e o preconceito. Ariano era, sim, um defensor e um seguidor da Igreja de São Francisco de Assis, daquela que pratica como regra a partilha e o bem comum.

Era lindo de se ver: não foram poucas as cidades que, ao perguntar aos espectadores quem dali vira ou assistira ao Auto da Compadecida, o que se testemunhava era um balé harmônico de mãos e braços levantados. A dança dos braços se repetia em grandes teatros como o Municipal, no Rio de Janeiro, o Santa Isabel, no Recife, e em muitas outras salas nobres Brasil afora.

Mas ainda mais emocionante era confirmar de que a história tornara-se conhecida por aqueles que estavam longe dos grandes centros, por quem viva, em teoria, à margem. Gente de cidades sem foco no mapa, nos confins dos sertões, entre a palha da cana da Mata, nas favelas e nos presídios por onde Ariano passou com suas aulas-espetáculo – história que, por dádiva, acompanhei de muito perto.

Foto: Diego Nigro/JC Imagem Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Ariano era, tanto quanto um escritor célebre, um filósofo em essência: pensava sobre a vida e o homem, desgostos e sonhos, rumos e permanência. Entre tais reflexões, estava a sua diferenciação sobre ‘êxito’ e ‘sucesso’: afirmava que só o tempo era capaz de dimensionar e validar o êxito de uma obra de arte. Para exemplificar, dizia que Lady Gaga era sucesso; o Dom Quixote conquistara êxito. O Auto da Compadecida é êxito inconteste.

Certa vez, numa conversa sobre o tempo, indaguei-lhe se havia um dia em sua vida que gostaria de viver novamente. Ele revelou que, na verdade, seriam dois: um deles, no início de 1957, quando apresentou ao Brasil, no Rio de Janeiro, a peça que havia escrito dois anos antes – justamente a Compadecida. Lembrou-se de como a plateia, ao final da sessão, não satisfeita em aplaudir de pé, subiu nas cadeiras de madeira do Teatro Dulcina, batendo nelas os pés e fazendo um barulho que deixou-o inebriado. Penso que, ali, o advogado Ariano, antes dos 30 anos, libertou-se de qualquer indagação sobre seus caminhos – ficou provado, era um escritor. O dia 6 de janeiro de 1948 é outro momento que ele gostaria de ter vivido novamente: quando pediu Zélia em casamento. “Pedi a ela, só nós dois. Foi o dia mais importante da minha vida.”

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