[Entrevista] - Emma Llansó: "Privacidade online é um direito fundamental"

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 22/06/2016 às 11:15
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Especialista em Direito Cibernético e Diretora do projeto Free Expression, do Centro de Tecnologia e Democracia nos EUA, Emma Llansó esteve no Recife para palestrar para policiais, juristas e estudantes, a convite do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco e do Departamento de Estado americano. Após a apresentação, conversou conosco sobre Marco Civil, privacidade e liberdade de expressão online.

Qual a importância do Marco Civil da Internet no Brasil para o modelo de governança internacional?

É muito importante. Estabelece proteções fundamentais aos usuários e parâmetros para coisas como a neutralidade da rede e liberdade de expressão online. Funciona como base para fundamentar as regulamentações e leis que virão, e isso é muito importante. Ter essas proteções estabelecidas para que não possam ser suprimidas no futuro, independente do caso. Ele garante o respeito ao direito dos usuários antes de mais nada.

O internauta brasileiro possui mais liberdades, em comparação com os americanos?

É difícil comparar. Aqui existem proteções muito fortes no Marco Civil, que são importantes. Nos EUA, temos proteções como a Primeira Emenda [à Constituição], que garante liberdade de expressão e protege terceiros online que hospedam conteúdo. Também tivemos decisões da Supera Corte a favor da neutralidade na rede. Nesse sentido, estamos alcançando o que existe no Brasil.

Existe um meio-termo entre privacidade e segurança? Podemos ter um sem perder o outro?

O princípio do que é “necessário” e “proporcional” previsto nos Direitos Humanos Internacionais são a resposta. Garantir que os limites que os governos colocam na privacidade, em termos de ter acesso à comunicação ou dados privados dos cidadãos, devem estar claros na legislação e ligados a um objetivo específico. Temos que partir do princípio de que as pessoas têm direito à privacidade. É um direito fundamental. O governo tem que provar que existe uma razão muito forte para invadir essa privacidade. E isso tem que ser avaliado por um órgão independente.

É difícil fazer com que os órgãos públicos entendam a necessidade dessa privacidade?

Essa é uma questão-chave. O bloqueio do Whatsapp no Brasil é um perfeito exemplo de como esse diálogo acontece em vários níveis. O aplicativo funciona com criptografia end-to-end, então a empresa não tem acesso às mensagens, é uma questão técnica. Então, o primeiro passo é fazer com que a Justiça entenda a realidade técnica do que está acontecendo, o que é possível e o que não é. Depois tem a questão legal: a decisão de bloquear o aplicativo para todos os usuários é algo apropriado? Para mim, esse tipo de resposta é desproporcional. Foi bom ver, na medida que esse caso progredia, que as instâncias superiores puderam reverter isso e perceber que não era a ação apropriada.

E nos casos de liberdade de expressão?

Nos EUA, o poder do governo de restringir a liberdade de expressão é muito limitado. Por causa disso, não temos lei contra discursos de ódio, por exemplo, que é muito comum no resto do mundo. Mas as empresas de internet possuem proteções legais contra o que é postado pelos usuários e para as suas decisões de tirar um conteúdo do ar – isso está nos termos de uso de cada site, o que é aceitável e o que não é. Mas melhor do que tentar impor esses termos é deixá-los o mais claro possível para os usuários e dispor de mecanismos para diálogo. O processo de analisar conteúdo potencialmente ofensivo é muito mecânico e pode falhar. Então é importante saber diferenciar o que está sendo reportado por realmente violar os termos do que está sendo denunciado porque um usuário simplesmente não concorda com o que está colocado ali.

Existe abuso de censura na rede?

Nesses casos em que muitos usuários reportam uma violação só por não concordarem com o que está colocado, sim. É um mal uso da ferramenta. Em qualquer caso, é sempre melhor contra-argumentar do que tirar a opinião contrária do ar.