Acumula objetos demais? Saiba quando essa mania vira doença

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 28/05/2018 às 19:45
Pessoas com transtorno de acumulação guardam coisas demais e experimentam sofrimento pela dificuldade de se desfazerem delas, devido à percepção de que necessitam guardar esses itens (Foto: Divulgação)
Pessoas com transtorno de acumulação guardam coisas demais e experimentam sofrimento pela dificuldade de se desfazerem delas, devido à percepção de que necessitam guardar esses itens (Foto: Divulgação) FOTO: Pessoas com transtorno de acumulação guardam coisas demais e experimentam sofrimento pela dificuldade de se desfazerem delas, devido à percepção de que necessitam guardar esses itens (Foto: Divulgação)

Por Malu Silveira 

Pela necessidade que temos em recordar momentos de nossas vidas, é comum guardarmos objetos que remetam a lembranças de períodos importantes. E se esse hábito consiste em acumular peças sem utilidade? Não é raro encontrar pessoas que guardam, em casa, diversos utensílios de que não precisam, como jornais velhos, objetos quebrados e, em casos extremos, restos de lixo. Esse hábito, aparentemente inofensivo, pode denunciar um distúrbio psiquiátrico que causa muito sofrimento àqueles que convivem com os sintomas. Alguns chamam de colecionismo, outros de síndrome de Diógenes ou disposofobia. Na psiquiatria, a doença leva o nome de transtorno de acumulação.

Diagnosticar o distúrbio ainda é um desafio para os especialistas, uma vez que o transtorno não está especificado na Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Por isso, é comum que muitos relacionem o quadro ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). “Seguindo a CID, que está em processo de transição, o transtorno de acumulação era considerado um subtipo de TOC. Mas hoje sabemos que muitos pacientes com sintomas de colecionismo não têm transtorno obsessivo-compulsivo”, pontua a psiquiatra Kátia Petribú, presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria (SPP).

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Os primeiros sintomas começam aparecer ainda na infância e adolescência, mascarados como processos comuns da nossa evolução cognitiva. O fato é que tratar uma pessoa que não consegue parar de entupir a casa com itens desnecessários é um processo complexo. Isso porque, à primeira vista, acumular coisas não parece sintomatologia de algum distúrbio preocupante. “Muitos casos são difíceis de tratar porque os pacientes têm dificuldade de reconhecer que esse hábito é sintoma de uma doença. Na maioria das vezes, eles acreditam que o objeto guardado tem uma importância muito grande”, afirma a especialista, coordenadora do Consórcio Brasileiro de Pesquisa em Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo em Pernambuco (CTOC-PE).

Imagem da psiquiatra Kátia Petribú (Foto: Tato Rocha / Acervo JC Imagem) Para a psiquiatra Kátia Petribú, muitos casos são difíceis de tratar porque os pacientes têm dificuldade de reconhecer que a acumulação pode ser sintoma de uma doença (Foto: Tato Rocha/Acervo JC Imagem)

Em algumas situações, esse acúmulo inapropriado começa, inclusive, a interferir na circulação das pessoas no ambiente doméstico. "A acumulação dos objetos responde muito mais a um impulso e à dificuldade da pessoa em lidar com a ansiedade causada pela sensação de que ela tem que guardar esse material. O paciente vai acumulando grandes volumes de materiais, atravancando todos os cômodos da casa, impedindo o acesso a partes importantes da residência e a limpeza do lar. Mesmo assim, a pessoa continua a armazenar esses itens desnecessários", explica a psicóloga Luciana Gropo, colaboradora especial da Associação de Terapias Cognitivas de Pernambuco (ATC-PE).

Além do TOC, é comum que os ‘acumuladores’ convivam com outros transtornos associados. A oniomania (mais conhecida como compra compulsiva) é um deles. Para a psiquiatra Kátia Petribú, com a possibilidade financeira de adquirir mais coisas ao chegar na vida adulta, a situação pode ficar ainda mais preocupante. Outros cenários são igualmente possíveis de coexistir. "A comorbidade é extremamente frequente nesses casos. É comum o transtorno de acumulação estar associado à depressão, distúrbios de ansiedade e transtornos de personalidade", reforça Luciana.

Pela semelhança com o transtorno obsessivo-compulsivo, o tratamento medicamentoso costuma ser similar. "Os antidepressivos usados são os inibidores seletivos de recaptação da serotonina. Os agentes potencializadores, administrados quando o paciente não responde ao primeiro medicamento, também podem ser utilizados", explica Kátia Petribú.

Psicoterapia

Tão importante quanto os fármacos utilizados para combater os sintomas do colecionismo são as estratégias psicoterápicas. A terapia cognitivo-comportamental (TCC), fortemente recomendada em outros transtornos psiquiátricos, é uma importante aliada no tratamento desses pacientes. “A abordagem cognitivo-comportamental trabalha, de maneira objetiva, os pensamentos e comportamentos da pessoa, fazendo com que ela tome consciência do transtorno. Pesquisas na área apontam que entre 70% e 80% dos pacientes mostram respostas bastante positivas, tanto na intervenção individual quanto em grupo”, afirma Luciana Gropo.

Segundo a psicóloga Luciana Gropo, de 70% a 80% dos pacientes mostram respostas positivas à terapia cognitivo-comportamental (Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem)

Nessas intervenções, a aposta dos especialistas é a psicoeducação. “Nós sabemos que existem diversos fatores orgânicos que potencializam os sintomas, mas é preciso considerar os processos de aprendizagem e desenvolvimento de crenças que o indivíduo incorpora ao longo da vida. A psicoeducação ajuda o paciente a identificar os comportamentos nocivos, fazendo com que a pessoa compreenda a amplitude da acumulação em sua rotina e parta para a mudança desses hábitos”, destaca a psicóloga.

Classificação norte-americana

Diferentemente da última versão da CID, a 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5), elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria, designou um capítulo específico para tratar do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e outros transtornos relacionados, incluindo novos diagnósticos. O transtorno de acumulação está nessa listagem.

O transtorno de acumulação foi descrito no DSM-5 como diagnóstico para indivíduos que acumulam objetos e experimentam sofrimento pela persistente dificuldade de se desfazerem ou se separarem de determinados bens (independente do real valor deles), devido à percepção de que necessitam guardar esses itens, apresentando angústia frente à ideia de descartá-los.