Estudo revela como o vírus zika mata as células cerebrais

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 19/05/2016 às 15:35
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Imagem do estudo (Foto: reprodução) Análises de proteômica e transcriptômica desvendaram os mecanismos moleculares disparados pela infecção viral nas células progenitoras neurais, as precursoras dos neurônios (Foto: reprodução)

Da Agência Fapesp de notícias

Estudos recentes têm mostrado que as células progenitoras neurais – um tipo de célula-tronco capaz de se transformar em neurônios e em células da glia – são os alvos preferenciais do vírus zika quando ele infecta o cérebro de bebês em gestação. Uma nova pesquisa, divulgada por um consórcio de pesquisadores brasileiros, esmiuçou os mecanismos moleculares que são ativados durante a infecção viral e acabam levando essas células à morte. Os resultados podem guiar os cientistas na busca por medicamentos capazes de evitar ou, ao menos, minimizar o dano causado pelo vírus no sistema nervoso central.

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“Já se sabia que as células progenitoras neurais são as que mais morrem em decorrência da infecção pelo zika e, agora, nós mostramos como elas morrem. Os dados indicam que a replicação viral causa uma instabilidade genômica e isso resulta em interrupção do ciclo celular. A célula não consegue mais se proliferar, nem dar início ao processo de diferenciação e acaba entrando em apoptose [morte programada]”, disse Juliana Minardi Nascimento, pós-doutoranda do Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coautora do artigo.

As conclusões são baseadas em análises de proteômica (conjunto de proteínas presentes na célula) e de transcriptômica (do conjunto de genes expressos) feitas in vitro, com culturas tridimensionais de células progenitoras neurais.

“Em vez de cultivar as células em placas de vidro convencionais, nós as colocamos em rotação, sob condições bem específicas, para que assumam um formato tridimensional e formem as chamadas neuroesferas. A formação de neuroesferas marca o início do processo de diferenciação celular ou neurogênese”, explicou Nascimento, cuja pesquisa, intitulada “Proteômica quantitativa de linhagens neurais e organoides cerebrais derivados de células-tronco de pluripotência induzida de pacientes com esquizofrenia”, tem apoio da FAPESP.

A vantagem do modelo é que ele mimetiza melhor o funcionamento celular in vivo. “Na cultura bidimensional, elas só conseguem interagir com células que estão imediatamente ao seu lado. No modelo tridimensional, a comunicação ocorre com todas ao redor e fica mais parecido com o cérebro de um embrião em estágio rudimentar de desenvolvimento”, disse a pesquisadora.

Antes de dar início ao procedimento para a formação de neuroesferas, os pesquisadores infectaram parte das células com o vírus Zika. Foi usada uma amostra da linhagem brasileira isolada de um paciente de Pernambuco.

“As culturas ficaram em contato com o vírus durante duas horas e, depois, ele foi inativado e teve início o processo de indução de neuroesferas. As células infectadas chegaram a se agregar em esferas, mas não progrediram muito. Após seis dias, as neuroesferas começaram a se desmanchar e, após 12 dias, não restava praticamente nada nas culturas infectadas”, contou Nascimento.

No terceiro dia após a infecção, o grupo observou que as culturas expostas ao Zika haviam crescido 40% menos que as do grupo controle. As análises de proteômica indicaram 458 proteínas alteradas, sendo que 199 delas estavam menos expressas do que nas células controle e 259 estavam com a expressão aumentada.

“Muitas proteínas de tradução [que traduzem o RNA mensageiro para formar uma nova proteína] estavam alteradas, o que é comum em infecções virais, pois esse tipo de patógeno usa o maquinário da célula para produzir suas próprias proteínas. Também notamos aumento na expressão de moléculas relacionadas ao reparo de DNA, como a BRCA1. Isso indica que a replicação viral estava gerando erros no material genético e deixando a célula instável”, disse Nascimento.

O que mais chamou a atenção dos pesquisadores, porém, foi a mudança no perfil de expressão de proteínas relacionadas ao ciclo celular.

“Os resultados indicam que o ciclo celular foi interrompido ainda muito no início, antes que a célula começasse a duplicar seu material genético. Também foi possível ver que essa pausa não foi motivada pelo início do processo de diferenciação, pois as proteínas relacionadas à neurogênese estavam diminuídas em relação às neuroesferas controle”, disse Nascimento.

No sexto dia após a infecção, o número de neuroesferas controle era 50% maior que o das expostas ao vírus. As células não infectadas também haviam avançado bem mais no processo de diferenciação em neurônio, o que ficou evidente pela maior presença de proteínas que funcionam como marcadores específicos para esse tipo celular.

“Nas neuroesferas expostas ao zika a quantidade de marcadores relacionados a neurônios estava bastante diminuída. Por outro lado, observamos a presença de caspase-3 ativa, proteína indicadora de apoptose. Outro indício de que as células estavam morrendo foi a presença de núcleos muito condensados”, disse a pesquisadora.

Nas análises feitas no 12º dia após a infecção, observou-se um número dez vezes menor de neuroesferas infectadas em comparação ao grupo controle. “Em experimentos in vitro, cerca de 21 dias podem ser necessários para obter um neurônio jovem funcional a partir de uma célula progenitora neural. Mas, neste estudo, mostramos que a maioria das células progenitoras infectadas pelo Zika não dura nem 12 dias. É um processo de morte rápido”, disse.

Confira a matéria completa no site da Agência Fapesp de notícias.