"O amor vai vencer a intolerância", Dani Portela (Psol), vereadora eleita com mais votos no Recife

Anneliese Pires
Anneliese Pires
Publicado em 21/11/2020 às 17:45
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Um dia após ter sido eleita a vereadora mais votada do Recife com 14.114 votos, Dani Portela (Psol) não quis saber de descanso ou férias. Negra, mãe e mulher, ela desabafa: "Ser a mais votada é um recado; o amor vai vencer a intolerância", diz emocionada. E não esperou a posse para começar: teve reuniões estruturais para formar equipe e dialogou com algumas organizações. "Quero pensar a cidade. Temos ainda muito o que aprender e trabalho pela frente! Está apenas começando".

Nós conversamos com Dani sobre expectativas, mandato, o que ela quer para a cidade e também sobre ser mulher e negra na política.

Social1- Expectativa para seu mandato. É o primeiro cargo público. Ter sido candidata à governadora ajudou a ser a mais votada?

Dani Portela - Ter sido candidata ao Governo em 2018 contribuiu para que eu fosse conhecida. Foi uma oportunidade de rodar Pernambuco e conhecer melhor a realidade do nosso povo. Ainda naquela época eu pude perceber o sentimento das pessoas, de querer mudanças.

Acredito que a votação para vereadora está relacionada com nossas propostas para um Recife mais inclusivo, construídas a partir a visão de que uma cidade melhor para as mulheres e crianças, é melhor para todo mundo. E essa melhoria se dá com políticas públicas efetivas.

Quando uma mulher negra se move, toda a sociedade se move também. Ser a mais votada é um recado das ruas. É o início da retomada dos territórios políticos da nossa cidade. Enegrecer o nosso voto é falar em alternância de poder na luta por uma cidade mais justa e igualitária.

S1 - Qual será o maior desafio deste próximo mandato?

DP- Entramos na Câmara com o compromisso de legislar, fiscalizar e representar a nossa sociedade. Os desafios são muitos. Todo o nosso processo de construção de propostas foi feito ouvindo muitas pessoas: da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais, especialistas nas áreas. Tudo isso ampliou o nosso olhar e a nossa perspectiva. Eu não posso prescindir de manter o diálogo com a sociedade, ampliando o acesso das pessoas ao Legislativo. Chegamos até aqui juntas e juntos e precisamos seguir lutando pelas políticas púbicas de acesso a questões fundamentais como educação, saúde e moradia, à partir da compreensão de que o racismo e o machismo estruturam as desigualdades da nossa cidade. Eu diria que ser vereadora é um desafio que recebo do povo e pretendo fazer jus todos os dias.

S1- A bancada evangélica caiu muito. Missionária Collins que já foi a primeira, foi para a 24 posição. Irmã Aymé não se elegeu. Quais as causas que dessa mudança?

DP - Eu acho que isso foi um recado muito importante da sociedade. O conservadorismo e o fundamentalismo religioso impactaram nas eleições presidenciais em 2018. 2020 será um novo divisor de águas na consolidação da retomada dos territórios políticos, não só da nossa cidade, como do nosso país. E isso é importante demais! Nada mais será decidido sobre nós, sem a nossa participação. Eu acredito que pensar na pluralidade de visões, de credos, de anseios, é fundamental para construirmos uma cidade mais justa para todas e todos. E é nisso que meu mandato vai se pautar: no combate às opressões (de raça, de gênero e de classe).

Além disso, acho que teve muito uma questão de identificação e pertencimento. Ouvi muito nas ruas que as pessoas se identificavam comigo porque eu parecia uma delas.

S1 - Aracaju e Belo Horizonte elegeram pessoas trans. Falta muito para Recife ter alguém deste gênero?

DP - Podemos citar o exemplo da advogada Robeyoncé Lima, que desde 2018 faz parte das Juntas Codeputadas na Alepe. Tivemos em 2018 a candidatura de Amanda Palha para Deputada Federal, com mais de 10 mil votos. E tivemos este ano a candidatura de Cristal, na chapa coletiva Tamos Juntos!. As pessoas trans já buscam esta representação e este protagonismo. Não por acaso tivemos 13 eleitas e eleitos, um importante recado para o país que mais mata essas pessoas no mundo. Acredito que é uma questão de tempo para que Recife tenha na Câmara Municipal a primeira pessoa trans ocupando uma cadeira. Será mais um passo no enfrentamento à transfobia e na direção da consolidação das políticas LGBTQIA+, afinal, essas vidas importam.

S1 - Ser mulher atrapalha ou ajuda na vida política?

DP - Somos 53% da população brasileira e temos apenas 15% de representação política, e 1,7% de mulheres negas nesse espaço. A política historicamente é um lugar que não acolhe os nossos corpos, pois sempre nos foi dito que esse não era o “nosso lugar”. Vamos subverter o patriarcado, pois é fundamental ampliar a representação e garantir que cada vez mais mulheres estejam nos espaços de poder e decisão. Ser mulher na política é lutar. Ser mulher na política é acreditar na transformação. Ser mulher na política é entender que somos muitas, diversas e plurais. Ainda temos um caminho longo. Nunca tivemos uma prefeita no Recife. Nunca elegemos uma governadora, por exemplo. Esse espaço sempre nos foi negado. Mas eu acredito que ser mulher na política é dos desafios necessários para a efetiva democracia representativa, que não se consolidará sem a participação de todas as mulheres.

S1 - O que vai fazer até a posse?       

DP - Até janeiro, há muito o que se fazer. Queremos estruturar o mandato em bases sólidas, à altura da nossa resposta nas urnas. O trabalho já começou, com as primeiras reuniões estruturais. Vamos formar a equipe, começar a estruturar nosso mandato. Dialogar ainda mais com as organizações que nos ajudaram a pensar que cidade é essa que a gente quer viver. Temos ainda muito o que aprender e muito trabalho pela frente! Está apenas começando, afinal “nossos passos vêm de longe”.     

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