Se "pai é quem cria", por que a escolha de Thammy Miranda para campanha de Dia dos Pais incomoda tanto?

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 29/07/2020 às 16:36
Thammy Miranda - Foto: reprodução
Thammy Miranda - Foto: reprodução

Desde segunda-feira (27) que, nas redes sociais, um muro foi erguido entre quem apoia e quem repudia a escolha de Thammy Miranda como garoto-propaganda do Dia dos Pais. O filho de Gretchen - que, em janeiro, se tornou pai de Bento, da sua relação com Andressa Ferreira - é um dos nomes pinçados pela Natura para a sua campanha dedicada aos papais neste ano. Thammy não foi contratado para o filme que é exibido na TV, mas para produzir conteúdo nas redes sociais, como influenciador digital que é.

"Para mim, a maior representatividade não é só ser um pai trans; é ser um cara que eu realmente sou: um pai dedicado, que cuida, se preocupa, que está junto sempre", disse Thammy Miranda, ao portal Gente, no meio do furacão de ataques que tem recebido ao seu direito de ser reconhecido pai do próprio filho.

"Pai é quem cria"

É interessante fazer o exercício de puxar pela memória o quanto você, que lê esse texto, já ouviu - e quem sabe até disse - que pai nem sempre é aquele que faz, mas é seguramente aquele que cria. Como, então, é possível que tenhamos como afirmação a máxima de que "pai é quem cria" e, ao mesmo tempo, questionemos a paternidade de Thammy Miranda, se seu filho é não só criado e educado por ele como também foi gestado por vontade e com a participação dele? Ou seja, Thammy mais do que cria, "fez e cria".

A concepção de Bento, no caso, foi realizada por decisão de Thammy Miranda e Andressa Ferreira através de fertilização in vitro, procedimento de reprodução assistida a que recorrem inclusive casais heterossexuais cisgêneros. Diz-se cisgênera a pessoa que foi designada no nascimento com o mesmo gênero com que se identifica; ou seja, é o contrário de transgênero, como é o caso de Thammy.

"Pai e mãe"

As críticas ao reconhecimento da paternidade de Thammy Miranda tem a ver com transfobia; repulsa às pessoas transgêneras. Não é questão apenas de gênero feminino-masculino, porque o país, ao longo do tempo, não só construiu a afirmação de que "pai é quem cria" como também naturalizou a ausência de pais, em contextos onde a mulher é "pai e mãe"; ou "pãe", como alguns chamam.

Paternidade irresponsável

A mesma gente que condena o título de pai a Thammy Miranda, por ser um homem trans, pode ser a que fecha os olhos ou simplesmente age com naturalidade para a realidade de tantas mães solo, tornadas forçadamente mãe e pai, porque, no Brasil, convencionou-se à masculinidade a desonestidade de reproduzir sem assumir, como se fornecer o sêmen fosse sua contribuição.

Dados já desatualizados do último Censo Escolar realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, divulgado em 2013, assustava ao assumir que, no Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Essa realidade, sim, poderia desencadear um debate importante sobre paternidade.

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O que é ser homem e o que é ser pai?

Ao projeto Celina, plataforma do jornal O Globo que dá visibilidade a questões de gênero e diversidade, o coordenador da região Sudeste do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT), Xande Peixe, apontou que a questão é, mesmo, a transfobia. "Acho que a questão maior é a de não respeitar a identidade de gênero. Estamos no país que mais mata travestis e transexuais, a transfobia é evidente. É aquela questão do que é ser homem. Parafraseando Simone de Beauvoir: ninguém nasce homem, torna-se homem."

"Existem muitas famílias em que o pai não é biológico, porque pai é quem realmente cria. Temos assistido nos noticiários casos de violência sexual e física de pais com crianças. E, quando você tem um pai, independente de ser biológico ou de ter sido designado como uma menina quando nasceu, isso não diminui em nada. O Thammy está criando e amando o filho dele, isso é o mais importante", disse Xande Peixe à Celina.

Famosos apoiam

Thammy Miranda coleciona apoio de famosos nas redes sociais. "Tantas crianças filhas de homens cis heterossexuais precisando de um pai como o @ThammyReal. Se todos os pais fossem como o Thanmy, não teríamos tantas mães solo, tantas crianças abandonadas. Tenham vergonha na cara", publicou a professora de direito e comentarista da CNN Brasil Gabriela Prioli.

O ator Bruno Gagliasso - que é pai de Titi, Bless e do recém-nascido Zyan - também falou sobre a repercussão: "Fico assustado com a intolerância por que passa o Thammy e todas as pessoas trans do Brasil. Todo o meu carinho aos que enfrentam diariamente essa batalha".

Assim como o ator Babu Santana, que também é pai: "Paizão contando na live agora pro @elpais_brasil que apoia o @ThammyReal e que tem certeza de que ele será um excelente pai!"

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