O "barato" do cânhamo na moda

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 21/10/2019 às 8:30
É de fibra de cannabis o conjunto listrado usado pelo primeiro dos quatro modelos para a Reserva - Foto: Derek Mangabeira / Divulgação
É de fibra de cannabis o conjunto listrado usado pelo primeiro dos quatro modelos para a Reserva - Foto: Derek Mangabeira / Divulgação

Há um salve pelo cânhamo na indústria da moda – mais especificamente pela fibra da planta, que se difere da maconha pela composição, e que já serviu muito às fabricações de papel e de têxteis diversos, num uso milenar. Isso até a proibição da cannabis pelos Estados Unidos, na primeira metade do século passado. Decisão que influenciou o Brasil, precisamente, em 1938, num decreto de Getúlio Vargas.

É importante saber, pra começo de entendimento, que o cânhamo (cuja aparência é similar à da maconha) tem na sua composição menos de 0,3% de THC, o tetrahidrocanabinol, princípio psicoativo mais potente da maconha. Por outro lado, há nele maior concentração (cerca de 20%) de CBD, o canabidiol, substância testada com sucesso no tratamento de doenças. Logo, seu barato é outro. Na verdade, são outros.

Na agropecuária e na indústria têxtil (pois não esqueçamos que há uma relação estreita entre esses dois setores), o cânhamo performa como uma alternativa bastante sustentável. É cultivado em qualquer solo, não requer uso de agrotóxicos e carece de pouquíssima água. Sua fibra pode ser colhida já três meses depois de plantado, e é uma das mais fortes e duráveis, senão a mais, entre as têxteis naturais, como o algodão, o linho e a seda.
Em comparação com o algodão, é considerado mais eficiente no bloqueio da radiação ultravioleta e nas funções antibacteriana, de absorção e isolamento térmico.

Mais um moletom feito com fibra de cânhamo, da Reserva - Foto: Derek Mangabeira / Divulgação

Grifes que usam

A Reserva é uma das marcas no Brasil que utiliza a fibra do cânhamo. Importa da Índia, onde o cultivo da planta é legal, e tece aqui. No verão 2019, a grife carioca anunciou a adesão à matéria-prima apresentando-a como “menos nociva ao solo e de alta resistência”. “Ela segue na coleção atual (verão 2020), mas de maneira mais moderada por conta da disponibilidade. Mas voltará forte no inverno, em camisetas lisas, listradas e polos”, comenta o gerente criativo da marca de roupas e acessórios, Igor de Barros.

De aspecto rústico, e por isso muito identificada como resistente (inclusive, eram feitas do cânhamo as cordas e velas usadas nas navegações; na embarcação de Colombo, mesmo, havia 80 toneladas), a tecnologia já encontrou processos para mais bem introduzi-la na moda. “Tem avançado cada vez mais. Por ser uma fibra natural, menos agressiva ao meio ambiente, os amaciantes naturais também evoluíram para deixar os tecidos mais agradáveis. Mas vale lembrar que uma característica desse produto, além da alta resistência, é o potencial de ir amaciando com o uso”, diz Barros.

Jaqueta da Levi's feita com "hemp cottonized" (algo como um “cânhamo algodoado”, de macio); na composição, fibras de algodão e cânhamo - Foto: reprodução

A americana Levi’s, a propósito, desenvolveu seu próprio processo para tratar; amaciar. Em março, lançou a coleção sustentável Wellthread com peças contendo o que ela chama de hemp cottonized – algo como “cânhamo algodoado”. Ou seja, a gigante do jeans chegou a um resultado em que, na textura, essa fibra se assemelha à do algodão.

A Hemp Blue é outra marca norte-americana que investe na fibra do cânhamo para fazer jeans; e a folhinha de cannabis é símbolo - Foto: reprodução de @hempblueofficial

Nos anos 1990, grifes consolidadas já se aventuraram a resgatar o cânhamo. Lá fora teve o icônico tênis Adidas Hemp. E, aqui, era 1998 quando a Osklen – que tem sua história de criação mergulhada em práticas sustentáveis – lançou uma t-shirt da matéria-prima.

O Adidas Hemp - Foto: reprodução

Mercado promissor

O uso do cânhamo agora é notado para além de um resgate ou experimento. Os EUA, que em dezembro legalizaram o cultivo da planta como produto agrícola, estima que, em 2026, esse mercado irá valer mais de 13 bilhões de dólares – isso incluindo não só a fibra têxtil. Há também sinais vindos da China, que toca projeto de substituição de lavouras de algodão por cannabis. Não tem nada a ver com legalizar a maconha em seu uso recreativo. É, sim, um olho chinês que se abre para a indústria têxtil; para a moda e suas demandas.

CBD

O mercado do cânhamo, sobre o qual ronda o espírito do crescimento, tem a ver com a indústria têxtil, mas também com a farmacoquímica, a de cosméticos, suplementos e até pet, graças às propriedades do CBD, encontrado com vantagem do caule às sementes da planta. Na última semana, no entanto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) adiou a decisão sobre a regulamentação da produção, do plantio e transporte de “maconha medicinal” por empresas farmacêuticas.

Quando esse muro for atravessado – se for – quem sabe outras fronteiras serão discutidas. Como, por exemplo, a produção de cânhamo no País para outras produções e negócios.

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