Mestre Nado perpetua a arte do som do barro

Victor Augusto
Victor Augusto
Publicado em 11/08/2019 às 8:00 | Atualizado em 07/11/2022 às 16:57
Mestre Nado segura sua "bola oca", de onde surgiu sua história com a música (Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem)
Mestre Nado segura sua "bola oca", de onde surgiu sua história com a música (Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem)

Mestre Nado se alimentou do barro ainda no ventre da sua mãe, que saciava a necessidade de ferro e outros nutrientes mordiscando alguns pedaços de argila quando estava grávida, em 1945. Aos cinco anos, descobriu sua paixão pela matéria-prima e logo tornou-se oleiro, artesão e músico — ocupação esta que rendeu-lhe o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco. Descobriu em Olinda as propriedades sonoras do material que molda a vida nordestina. Atualmente, seus filhos dão continuidade ao Som do Barro, que já encantou ouvidos de Tracunhaém à  França.

Aos 74 anos, Mestre Nado recebeu este repórter ao lado da sua filha, Sara, na porta da sua oficina. "É aqui que eu faço minha arte, só não chamo de ateliê, porque acho muito pomposo", comentou antes de abrir uma risada forte e contagiante. Ao seu lado, descansava a argila que, nas suas mãos, poderia transformar-se em tijolos, quartinhas (recipiente de água potável), panelas, cisnes, homens e, graças à sua percepção, também tornar-se som.

Já na sua cadeira, ao lado dos poucos instrumentos não vendidos na Fenearte deste ano, recordou: "Pra eu chegar onde cheguei, foi um trabalhão medonho. Tudo começou com uma bola — traz a bola, Sara — de barro. Eu cresci ali, nos Bultrins, na Avenida Chico Science. Aquilo era um capinzal e, em baixo, tinha argila. Fizeram uma olaria na entrada do Córrego do Monte e desde pequeno trabalhei como oleiro: apanhava argila da sobra da olaria que fazia tijolo batido. Cresci apanhando barro, fazendo panelinha e bolinha oca".

A bola oca, porém, logo transformou-se na ocarina, seu primeiro instrumento de barro: "Eu estava com uma dessas, que é uma coisa que eu sempre faço. Ela deu origem a toda a minha história com música. Antes eu era oleiro, mas não tinha uma coisa minha pra assinar, apesar de fazer belos artesanatos. Foi quando me veio a vontade de fazer um apito e parece que eu já estava vendo tocar. Quando fiz, foi muito emocionante. Levei pra uma amiga minha curadora e ela disse: 'Você vai fazer belas esculturas que cantam'. Eu quase não acreditava e hoje estou aqui", recordou Mestre Nado com sorriso largo, enquanto acariciava os instrumentos postos ao pé da sua cadeira.

"Já nascemos tendo contato com o barro. Não somente na parte da música, como também o processo de pesquisa e também a do artesanato. A vida dele [Nado] passou por várias fazes: a primeira como oleiro, depois trabalhando na Só Cerâmica com portugueses, depois Brennand e por fim aqui [Olinda], onde foi artesão até descobrir uma marca que ele pudesse assinar o nome. Então desde o artesanato a gente já trabalhava com pintura, preparação da argila, acompanhamento da queima e até secagem das peças", recorda Sara.

Aguçada na pesquisa do sobre o barro, ela explica: "Ele começa a aprender a tocar fazendo o instrumento e aprende a fazer tocando. Ele também não sabia da existência da ocarina, que pode ter sido um dos primeiros instrumentos de sopro inventados pelo homem. Pois o barro é a primeira matéria-prima do homem".

 

 

"Quando ele relaxou um pouco no processo da busca pelo som, foi quando ele pensou que precisava de alguém para acompanhá-lo. É neste momento que entramos nessa história e ele passa a pesquisar instrumentos de percussão e criou o bum d'água [instrumento tocado por Micael no vídeo acima], que não havia outro semelhante e ninguém tocava. Acabou sendo bacana, pois me deparei com aquele instrumento e desenvolvendo uma técnica de tocar com a ponta dos dedos e percebi que na ponta dos canos produzia este som", conto Sara, que toca com o pai e o irmão há cerca de vinte anos.

 

Mais tímido que a caçula, Micael comenta sua participação na oficina: "Desde a infância estamos trabalhando muito, seja na confecção e vendas de instrumentos ou trabalhos sociais e oficinas". Perguntado se pensou em seguir outra ocupação, o filho de Nado sorri e é pragmático: "Nunca, toda nossa vida foi esse caminho". Apesar de ser mais comedido, "Micael é mão na massa", como disse o mestre.

 

A parceria familiar chamou atenção dos olhos - ou ouvidos - das equipes de artistas como Milton Nascimento e Ney Matogrosso: "A gente viveu uma experiência com os percussionistas deles. Há cerca de 20 anos, participamos de um encontro de percussionistas e no dia da nossa apresentação eles estavam lá e se encantaram com nosso trabalho".

 

As artes, os sons e afetos produzidos por Nado não restringem-se às paredes da oficina localizada no número 43 da Rua Barão de Steple, no bairro de Caixa D’Água, Olinda. Essa história começa bem antes, quando o homem começou a modelar sua vida com o barro e criou uma cultura relacionada à olaria e artesanato. Ela também não termina com o mestre, que logo tratou de repassar seu conhecimento à esta geração, que segue curiosa perpetuando o som do barro.

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