Com estratégia comunicacional inovadora, Alba Eloy, portadora da ELA, vence barreiras e prova que tudo se transforma

Igor Guaraná
Igor Guaraná
Publicado em 18/08/2018 às 8:00
Alba Eloy. Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem
Alba Eloy. Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

Vaidosa, Dona Alba não consegue esconder seu contentamento para a entrevista. Se arruma, coloca os brincos, certifica-se com todos que está tudo certo. Esperamos sua sobrinha, Cecília Neves, que desenvolveu o canal do Youtube Num Piscar de Olhos, onde a protagonista é a própria Dona Alba. Sua estreia acontece hoje, dia 18, e a princípio, com receitas desenvolvidas exclusivamente por ela.

"Nossa, mais um canal genérico de culinária no Youtube!", você poderia pensar. Não é, nem de longe! Dona Alba possui ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), doença degenerativa do sistema nervoso, que enfraquece os músculos, nervos e afeta as funções físicas do paciente. O diagnóstico para Dona Alba aconteceu há dez anos atrás, época que pouco se falava sobre a tal condição, principalmente em Pernambuco. Após vários diagnósticos duvidosos e médicos pouco amistosos, ela recebeu o seu veredito.

Alba Eloy, 61 anos, portadora da ELA (Esclerose Latarel Amiotrófica) Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

Ironia

Atenta aos mínimos detalhes, Alba consegue perceber um quadro de cabeça para baixo no canto da sala, trazido por suas cuidadoras, Lucilane Batista e Simone Ferreira. Ironia da vida ou não, ela era professora na Universidade Federal de Alagoas, seu estado natal. Lá, ela ministrava aulas sobre imunologia e virologia. Quem diria que um assunto tão explanado e estudado por Alba acabaria lhe aposentando?

Ela não imaginava, ninguém imaginava. Alguns meses depois da conclusão do seu Doutorado, mais precisamente no dia 22 de fevereiro de 2010, veio a confirmação da real patologia. Não conteve o choro. A progressão viria rapidamente. Ela sabia, afinal, estudara o assunto por vários anos. O desespero foi a primeira sensação. Em prantos, ela rezou o terço em voz alta, quase gritando, como ela mesma relata nas primeiras frases da sua futura autobiografia.

Artesanato desenvolvido por Alba Eloy através da reciclagem. Quadro feito com filtro de café reutilizado, luminária com detalhes em retalhos e vaso de plantas . Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

Adaptação

O processo de adaptação não foi fácil, definitivamente. Com sua esperteza e toda sua experiência com saúde, Dona Alba sabia que a doença avançaria. Por isso, ela se antecipou. Chegou na frente e desenvolveu sua própria comunicação. De início, a família precisou aprender libras, a língua dos sinais. Depois, com o avanço, o movimento dos olhos tornou-se sua fonte de conversação. Através de algumas tabelas, Alba comanda não só sua casa, mas toda família. Existe uma tabela principal, com letras e números, mas outras complementares são essenciais para o seu dia a dia. Nelas, com apenas o piscar dos olhos, ela diz o que precisa, quer, sente e necessita. Placas com algumas frases mais utilizadas são dispostas na cozinha, por exemplo, facilitando seu diálogo. "Vá logo!", "Quero ver!", "Liga o forno!" são algumas delas.

Ao falar sobre o começo de tudo, Clarissa Eloy, filha de Dona Alba, hoje com 29 anos, se emociona quando relembra o momento em que descobriu o diagnóstico de sua mãe. Não consegue ler o esboço da autobiografia e entrega para seu irmão continuar, Tiago Eloy (33), que prossegue com o texto. Primeiramente, a família não aceitou a esclerose como uma possibilidade, principalmente sua irmã, Claudia Neves (52). Recife foi a cidade escolhida para mais neurologistas, exames e uma ponta de esperança. O resultado foi negativo! São Paulo foi a cidade escolhida para a derradeira consulta. Na megalópole tudo se confirma, a família começa o processo de aceitação e conhecimento.

Tabela comunicacional desenvolvida por Alba. Dayvison Nunes / JC Imagem

Canal

A criação do canal foi ideia dela. Com tantos explorando a internet, ela viu uma grande oportunidade em mostrar todo o seu talento online. O primeiro vídeo tem um pouco mais de 4 minutos e sua gravação durou quase o dia inteiro, das 10 às 18. Com uma árdua produção, as imagens foram feitas com uma dedicação gigantesca de toda família. A primeira receita Alba reprovou, ela não está ali para agradar ninguém, fala na lata! Reclama, argumenta e exige a perfeição. A segunda tentativa, felizmente, foi bem-sucedida.

O canal não pretende focar apenas em culinária. Uma outra paixão declarada da professora é o artesanato, com produtos reciclados e por intermédio das suas cuidadoras, Alba Eloy consegue fazer lindas artes. A decoração, o artesanato e o seu dia a dia serão mostrados na plataforma. A periodicidade ainda não foi planejada, mas ela garante que o entretenimento está garantido.

Em pé, da esquerda para a direita: Tiago Eloy (Filho), Simone Ferreira (Cuidadora) e Lucilane Batista (Cuidadora). Sentadas, da esquerda para a direita: Clarissa Eloy (Filha), Alba Eloy, Cláudia Neves (Irmã) e Cecília Neves (Sobrinha). Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

Alba não para!

Imperativa, Dona Alba não para um minuto! Sua cabeça consegue pensar em diversas coisas ao mesmo tempo. Seu dia? Nada rotineiro. Se não está comandando os afazeres na cozinha, ela provavelmente está projetando seu próximo artesanato. Calma, mas talvez seja o roteiro para seu próximo vídeo no Youtube? Não, provavelmente é uma nova receita de bolo, suco, chips de cascas de batatas...Ufa! Em poucas horas de conversa você percebe o quão ativa é a vida da professora e, apesar das adversidades, seu sorriso transparece toda sua paixão por aquilo que cria, recicla e desenvolve.

"Geralmente me estresso, faço cara feia e choro quando estou na cozinha", revela Dona Alba no seu texto inaugural do Youtube. Seu perfeccionismo minimalista é evidente em todo o momento, e isso será passado em seus vídeos. Desatenção ao lado dela não é uma virtude. Você será repreendido. Mas, calma, isso não é ruim, pelo contrário, Dona Alba quer o seu melhor e ao máximo. O trabalho socioambiental também é praticado, seu artesanato é embasado em produtos considerados "lixo". Filtro de café, caixas de remédios, rolo de papel higiênico, latas de cervejas, caixas de leite, retalhos, garrafas e até a caixa de alimentação para sua sonda são utilizados.

Artesanato desenvolvido por Alba Eloy através da reciclagem. Porta-objetos e ferramentas. Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

Vida

Pergunto se a vida não é uma grande metamorfose ambulante, fazendo referência ao grande Raul Seixas e sua música. Clarissa, sua filha, prontamente responde com um sonoro "sim", e explica que Alba representa exatamente isso: mudanças constantes, descobertas e diariamente um novo olhar para as coisas mais simples da vida. Sua irmã, Cláudia, confirma a teoria e orgulha-se de responder para todos que perguntam se a situação é difícil: "Não existe um dia que ela não receba à todos com um grande sorriso."

Alba Eloy, ainda no seu texto para o Youtube, pede desculpas, mas insiste que ama viver. O "Te amo" sempre estará presente com sua família, e ela é convicta disso. Ama a areia da praia, o calor do sol, ama ter a família por perto e completa: "Se a vida é um trem em movimento, eu amo esse vagão." Um exemplo de vida, não só para os portadores da ELA, mas também para todos que algum dia já reclamou ou pretende reclamar de suas vidas. Existe sempre uma nova oportunidade, uma nova ideia e um novo aprendizado. Alba, aos 61 anos, portadora de ELA, é a vida pessoa.

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