Zezé Motta alisava cabelo a ferro quente e já quis afilar nariz e reduzir bumbum: "Eu queria ser aceita"

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 14/03/2018 às 20:37
Zezé Motta - Foto: reprodução
Zezé Motta - Foto: reprodução

Zezé Motta impactou a plateia do evento RioMar Entre Elas, terça (13), no Teatro RioMar, ao falar da sua experiência de autoaceitação como mulher negra. “Na adolescência, minhas amigas viviam dizendo que meu cabelo era ruim, minha bunda, grande e meu nariz, chato. Isso me incomodava muito, e eu queria ser aceita...”, contou a atriz, que, à época, alisava o cabelo a ferro quente e usava uma peruca chanel. A artista queria, ainda, lentes de contato verdes, nariz afilado e: “Pasmem! Cheguei a pensar em fazer cirurgia pra diminuir o bumbum! Vê se pode... Uma total negação das características da minha raça”.

Black power: identidade e autoestima

A aceitação, relembrou a atriz, veio aos 25 anos, numa viagem aos Estados Unidos com a peça Arena Conta Bolívar e Arena Conta Zumbi, de Augusto Boal. "Era a era do black is beautiful [negro é bonito]. Um dia eu cheguei ao hotel, tirei a peruca e me enfiei embaixo do chuveiro. O cabelo fez 'tonhonhon' e virou um blackzinho. Aquele banho foi um batismo."

É que Zezé se deparou, nas ruas norte-americanas, com negros de cabeça erguida e bonitos. "Eu pensei: por que no Brasil os negros andam encolhidos e de cabeça baixa? Por uma questão de autoestima! Eu os via bonitos porque eles se sentiam bonitos", explicou. "Como era black power e o meu cabelo estava curtinho, comecei a namorar uma peruca black power", contou, aos risos. Na volta da atriz ao Brasil, fez-se reportagem mostrando sua ida, com chanel, e sua volta, de black power.

Sobre este assunto, ela ainda enfatizou: "Uma coisa é você usar o cabelo liso porque prefere, outra coisa é usar para agradar os outros ou embranquecer".

Carreira

Artista que abriu caminhos para atores negros no cinema e na televisão, Zezé Motta considera que houve avanços, mas lentos. "Melhorou um pouquinho. A gente vê que há uma preocupação em dar mais espaço aos negros na distribuição dos papéis, mas ainda temos muita luta pela frente. E não foi fácil não. Aqui, no Brasil, o tom da pele pesa. Pesa muito. O cabelo pesa, mas o tom da pele..."

A atriz recordou uma vizinha, na sua juventude, no Leblon, que se espantou quando Zezé lhe disse que estudava arte dramática. "Ela disse: 'eu não sabia que para fazer papel de empregada tinha de fazer arte dramática'. Quando eu comecei a vida profissional, fui entender o que ela estava falando. Ela estava falando o que ela via, quando ligava a televisão, quando ia ao cinema... Você só via um número maior de negros na tela quando o assunto era a escravidão".

Até ser escalada - e despontar internacionalmente - como Xica da Silva, no filme de 1977 de Cacá Diegues, os primeiros papéis de Zezé foram de empregada doméstica. "Nada contra a personagem. O que me incomodava é que, nessa época, as empregadas domésticas dos filmes e das novelas viviam a reboque dos outros personagens. Elas não tinham pais, mães, filhos, família, nada. O cenário delas era a casa da patroa. Enfim, elas não tinham uma vida. Tinha feito arte dramática, mas estava abrindo porta, fechando porta, servindo cafezinho."

Também cantora, Zezé Motta resgatou história lá dos anos 1970, quando sua gravadora à época, insatisfeita com as vendagens do LP Prazer, Zezé, sugeriu que ela fizesse um disco de sambas. "Samba porque eu sou negra... Aí eu disse: 'tô querendo esse rótulo não'. Nada contra o samba, absolutamente nada - tanto que o meu próximo CD é o Samba Mandou me Chamar. Mas por escolha minha, e não da gravadora."

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