É Nossa Senhora da Conceição, mas pode chamá-la de Ceça

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 08/12/2015 às 6:00
Clique da imagem feito neste ano/Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Clique da imagem feito neste ano/Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Clique da imagem feito neste ano/Foto: Diego Nigro/JC Imagem Clique da imagem feito neste ano/Foto: Diego Nigro/JC Imagem

O Social1, neste 8 de dezembro, dia em que se comemora N. Sra. da Conceição - que não é padroeira do Recife, mas tem seu dia reservado como feriado -, conversou com devotos a fim de entender a relação de intimidade que os recifenses construíram com a santa. Uma relação que se expressa maior do que a que é mantida com Nossa Senhora do Carmo, copadroeira da cidade (nos registros da Arquidiocese de Olinda e Recife, o padroeiro é Santo Antônio).

O povo que é íntimo de uma santa

Pedro Eurico, secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado, 64 anos, sobe o Morro da Conceição desde os dez de idade. E não só em tempo de festa. Natural de Casa Amarela, bairro ao qual a elevação geográfica pertencia, era levado pra lá, aos domingos, pelas mãos dos pais, devotos que lhe deixaram o lugar de fé como herança. Já rezou tanto aos pés da santa, que ficou íntimo. "Eu chamo de Ceça, e não de Nossa Senhora da Conceição. E não somente eu... É que tenho uma intimidade muito grande com ela. Já me socorreu muito", diz o ex-deputado, que finaliza assim: "Ceça é uma grande figura!". Padre José Roberto França, da Paróquia do Morro da Conceição - que nesta terça será elevada a Santuário -, aprova o apelido: "Essa intimidade é amor demais! Na casa da mãe, a gente senta no batente, no chão... É a casa de Ceça, sim".

A imagem da Conceição chegou ao Morro em 1904, trazida de Paris em navio, por encomenda do bispo de então, dom Luiz Raimundo da Silva Brito, quando ainda não existia a Arquidiocese de Olinda e Recife. Foi confeccionada em comemoração aos 50 anos do Dogma da Imaculada Conceição, anunciado em 8 de dezembro de 1854, quando o papa Pio 9 fincou como verdade a crença de que Maria, mãe de Jesus, foi concebida sem pecado original. Daí vem conceição, ato ou efeito de conceber, gerar; concepção. Outro Eurico, Eurico Freire, vereador do Recife, que é ex-seminarista e atua como ministro da Eucaristia de uma paróquia em Boa Viagem, atribui a grande devoção à santa ao fato dela ser festejada perto do Natal. Como se a gente tivesse que primeiro "cumprimentar" a mãe, e só depois o filho saído do ventre dela, sem pecado.

A relação de devoção nada barroca estabelecida pelos recifenses com N. Sra. da Conceição deram asas a Carol Fernandes, da Itaity Publicidade, para compor e produzir o jingle abaixo, de campanha para as Casas José Araújo, veiculada em 1978:

https://www.youtube.com/watch?v=5c66p6wi2P4

A teoria do epicentro

Voltamos ao secretário Pedro Eurico. Conhecedor da região, ele diz que a imagem é um "epicentro da Grande Casa Amarela" - ao redor dela, o povo foi morar, sendo ela elemento constitutivo da população de lá. "Em torno dela, muitas lutas foram travadas ao longo dos anos", ele diz. Por esses embates entende-se tanto questões comunitárias quanto outras ligadas à própria Igreja Católica. Relembra, por exemplo, quando o ex-arcebispo dom José Cardoso Sobrinho substituiu o então pároco de lá, Reginaldo Veloso, que pertencia a uma linha popular e renovada, ligado à teologia da libertação de dom Helder Câmara, por um sacerdote conservador - "Durante mais de um dia o povo ficou acorrentado à capela. Precisou de ordem judicial para o novo padre entrar... A igreja é da própria população, que foi morar no Morro".

O português radicado no Recife Alberto Ferreira da Costa, provedor do Real Hospital Português, também é devoto de N. Sra. da Conceição. Seu Alberto chegou aqui em 1951, aos 15 anos, quando subiu o morro pela primeira vez. Anos depois, com pouco mais de 40, voltou a subir, mas de joelhos, como pagador de promessa. Ele suspeita que, digamos, o encanto da santa está, sim, relacionado à localização e à população; ou seja, ao entorno da imagem. "Ela está num centro, na região mais populosa do Recife, e dá muita esperança aos peregrinos; alegra os seus. Quando cheguei aqui foi a santa que mais me chamou atenção. Não sei se pelo lugar, não sei se pela população...", diz ele que patrocinou, via o RHP, quase todo o restauro da imagem, feito recentemente para as festividades de agora.

Devido à demografia e à atmosfera popular do Morro da Conceição, políticos - por devoção ou no intento de testar (ou ganhar) popularidade - sempre se fazem presentes na Festa do Morro. Veja os cliques feitos em diferentes anos:

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A teoria da montanha

Para além da representatividade, a vocação de agregar os recifenses em suas esperanças, pedidos e agradecimentos reside também no fato da imagem estar num elevado - essa característica, por ela só, já seria atrativa para os fiéis. O arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido faz a seguinte análise: "É uma região muito populosa, predominantemente de pessoas carentes - e as pessoas mais pobres são mais sensíveis às questões religiosas -, mas há que considerar o ambiente: o lugar elevado. Os Evangelhos falam que Jesus Cristo procurava as montanhas".

"Para o povo semita [DA BÍBLIA], a montanha sempre foi o lugar onde Deus se manifestou e revelou seu poder. Há uma inspiração nisso, o morro é um diferencial", diz o pároco, padre José Roberto França, sugerindo também que o esforço físico dá um caráter penitencial, de fé, atraente a quem faz promessas e quer ser recompensado. A ex-deputada estadual Terezinha Nunes, devota, concorda ao citar que a montanha tem participação no quanto a devoção se espalhou pela cidade: "Além de ser uma área pobre, é o lugar mais alto da cidade... Isso tem muita relevância", opina.

O atual pároco, padre José Roberto França, preside pela última vez as celebrações da Festa do Morro. Após seis anos, ele descerá a montanha, no fim de janeiro, seguindo para outra paróquia.

Padre José Roberto França/Foto: Igo Bione/JC Imagem Padre José Roberto França/Foto: Igo Bione/Arquivo JC Imagem

A teoria do bom filho que à casa torna

Segundo o padre José Roberto França, o Morro é contagiante. "Ela é a moradora mais ilustre e o que faz a multidão vir aqui é o amor. Existe um vínculo muito forte entre filho e mãe; é um sentimento de amor, algo contagiante", diz ele, como quem poetiza. O sacerdote prega o que é próprio da catequese católica: Maria é a intercessora. "Ela intercede na vida da gente por ser tão íntima de Deus. A mãe é tudo de bom. Maria é doce e amável, busca e acolhe. A pessoa sobe a ladeira sagrada como o filho que vai visitar a mãe. Como não ir?".

É o caso do deputado Eduardo da Fonte. Desde sempre a família do político mantém um elo com esta data: nasceram no dia 8 de dezembro uma das suas avós, além da irmã e do filho. Após sobreviver ileso à queda de um avião bimotor da Calypso em 2008, ele sobe o Morro todos os domingos, para agradecer, pedir proteção e sair de lá com energia recarregada. "Eu agradeço a oportunidade de ter nascido de novo. No acidente, eu me levantei e saí andando...", relembra, fazendo com Nossa Senhora da Conceição o papel do filho que agradece à mãe pela vida.

Em 2014, o fotógrafo Beto Figueiroa apresentou fotos tiradas no Morro da Conceição, do sagrado e do profano que convivem durante a Festa do Morro; as fotografias foram compiladas em livro que leva o nome do projeto, Morro de fé.

EdicaoMorro2014029_2,2Alturax3,3Largura Foto de Beto Figueiroa/Divulgação

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