A família tradicional brasileira e o comercial de margarina

Mirella Martins
Mirella Martins
Publicado em 03/06/2015 às 15:48
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Nesta semana, um ataque virtual à empresa O Boticário gerou polêmica na internet. Ao produzir um comercial de TV voltado para o Dia dos Namorados incluindo protagonistas gays, a empresa arrumou uma baita confusão com os devotos da "família tradicional brasileira". O comercial, que mostra quatro casais, heterossexuais e homossexuais, trocando presentes, virou alvo de protestos, e até uma tentativa de boicote à marca foi posta em pauta. A revolta chegou até o site Reclame Aqui, onde, entre outros usuários, uma senhora deixou um comentário insatisfeito: "Se tem uma novela, eu mudo de canal, mas a propaganda está em todos os meios. Não quero que meus filhos assistam essa propaganda. Tenho o direito de preservar a instituição família dentro da minha casa, e infelizmente o comercial do Boticário está ferindo esse meu direito".

https://www.youtube.com/watch?v=p4b8BMnolDI

Nesta empreitada, o Boticário não está só: a Coca-Cola, famosa por seus comerciais bem "família", também levantou a bandeira da comunidade LGBT e espalhou uma série de anúncios pelas ruas da Holanda, na Europa, exibindo um casal gay com o seu bebê. "Nós escolhemos a felicidade sobre a tradição", dizem as propagandas.

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Em abril, outra marca que abraçou a causa foi atacada. Sob o mote, Pense Menos, Ame Mais, o bombom Sonho de Valsa entrou em rede nacional com uma propaganda que mostrava uma diversidade de casais em beijos apaixonados, enquanto o narrador levantava hipóteses sobre seus pensamentos. No filme de 60 segundos foram mostrados um casal de idosos, um branco e uma negra, uma gestante e seu marido, um homem em uma cadeira de rodas e uma mulher sentada em seu colo e também um casal de homossexuais do sexo feminino. "Ridículo. Apoiado sonho de valsa no lixo. Sou casado há seis anos e estou pensando em não ter filhos, pois a mídia poderá ser capaz de confundir a cabeça dos mais novos fazendo achar que isso é normal. Daqui uns dias, será um escândalo ter um casal heterossexual numa novela. Novelas da globo já estão fora da minha casa e agora entra na lista o sonho de valsa", escreveu um cliente.

https://www.youtube.com/watch?v=Ub6AnvLeV2I

Há menos de três meses a telenovela das 21h da Globo, Babilônia, que estreou em março com um polêmico beijo entre as atrizes Fernanda Montenegro e Nathália Timberg em seu primeiro capítulo, "feriu" evangélicos e foi um dos motivos para a queda de ibope no horário nobre da emissora. Na época, Fernanda descreveu o boicote como "uma caça às bruxas".

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No Recife, a fanpage Glos Direitos Humanos, que, entre outras ações, promove fotos de casais apaixonados pelas ruas da capital pernambucana, não sofre retaliações, segundo a administradora da página, Poliny Aguiar - talvez porque a página já atinge um público muito específico. Chefe administrativa do Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBT, Poliny revela que já recebeu mensagens homofóbicas no seu Facebook pessoal: "Fui atacada através de postagens da Glos por gente que defendia a máxima de que o homem nasceu para a mulher".

Fato é que, mesmo com a mobilização midiática que, não muito tempo atrás, precisou aniquilar o núcleo gay da novela Torre de Babel, em 1999, parte da sociedade ainda não está preparada para o mundo real e parece esperar o tradicional comercial de margarina. Não deixa de ser irônico, uma vez que a "família tradicional" é capaz de digerir cenas de traição, parricídio e crueldades de todos os tipos, nas mesmas novelas criticadas pelo apoio à diversidade. 18618_10152995226011298_5307871696858908685_n

 

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