Aliviado por estar fora do Congresso Nacional, Paulo Rubem revela seus planos à frente da Fundaj

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 27/05/2015 às 19:00
Paulo Rubem Santiago interagiu com câmera do Jornal do Commercio/Fotos: Social1
Paulo Rubem Santiago interagiu com câmera do Jornal do Commercio/Fotos: Social1

Após seis mandatos - distribuídos entre a Câmara Municipal do Recife, a Assembleia Legislativa de PE e a Câmara Federal -, Paulo Rubem Santiago (PDT) ficou fora da engrenagem da qual era peça conhecida, uma vez derrotado na última campanha, quando concorreu a vice-governador, na chapa de Armando Monteiro Neto. "No começo foi estranho. Depois tive certo alívio, dada a degeneração da representação política no Congresso e a emergência de grupos conservadores, com pautas reacionárias", conta ele, que é professor da UFPE há 35 anos. Na segunda-feira (1º), o ex-deputado toma posse como presidente da Fundação Joaquim Nabuco, a Fundaj - "Estou otimista! Vou fazer 60 anos no dia 17 de julho... Acho que é uma feliz coincidência e um sinal que a vida está me dando. Eu posso produzir como presidente da Fundaj tanto quanto produzi pelo País como deputado federal", pesa ele, que conversou com o Social1 sobre educação, cultura e política, revelando paixão por cinema e a fotografia.

Paulo Rubem Santiago interagiu com câmera do Jornal do Commercio/Fotos: Social1 Paulo Rubem Santiago interagiu com câmera do Jornal do Commercio/Fotos: Social1

Como se sentiu assim que se viu fora da vida pública, depois de 23 anos?

No começo foi estranho. Depois tive certo alívio, dada a degeneração da representação política no Congresso e a emergência de grupos conservadores, com pautas reacionárias, como todas essas do campo dos costumes e dos valores, a homofobia, a tentativa de estabelecer o que é família e o que não é; toda essa reação à defesa de uma política educacional que tenha uma perspectiva de gênero, que combata a descriminação e o preconceito, como se a política educacional fosse produzir homossexuais, transexuais... Se eu estivesse exercendo um mandato estaria numa situação explosiva, de enfrentamento dessas agendas conservadoras.

Fala-se que é o Congresso mais retrógrado.

É. Devido à emergência de bancadas fundamentalistas. É mais conservador pela presença de bancadas vinculadas à corrupção e ao capital privado. É um retrocesso para a democracia, que piorou, em vez de amaciar e funcionar melhor.

A que se deve a emergência dessas bancadas fundamentalistas?

Tem a ver com uma mudança de paradigma da Igreja Católica, que abandonou a teologia da libertação e passou a fazer uma igreja mais internista. O abandono da opção pelos pobres afastou os padres e as paróquias das comunidades e fez com que os infortúnios e as dificuldades sofridas pela população mais pobre passassem a ser interpretados por grupos fundamentalistas que atribuem tudo ao demônio: doença, pobreza, desequilíbrio mental, desemprego prolongado... Esses grupos jogam a rede, colhem fiéis, fundos e patrimônios, garantem a eleição. Uma igreja dessas grandes denominações é um curral eleitoral impenetrável e financiado com o dinheiro dos fiéis.

Outra coisa é o afastamento dos partidos de esquerda das bases sociais. É visível isso no PT -  e não estou falando porque saí do partido, mas quem fala é Frei Betto, por exemplo, figura de proa do partido, que reconhece haver uma excessiva vinculação com a máquina de Estado, e tudo o que ela produz de vantagem, visibilidade e popularidade, além do abandono de comunidades tradicionais e movimentos sociais, fazendo com o que o partido desfigurasse e perdesse aquela perspectiva de transformação. Governa-se e executa-se programas, mas não transforma estruturas. Em doze anos de governos Lula e Dilma, as grandes reformas estruturais ficaram ausentes. Vê-se programas sociais, distribuição de renda, leis mudadas, mas as reformas estruturais não foram feitas.

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Cultura e educação foram bandeiras do senhor durante a vida pública. Agora, na Fundaj, é como se mudasse de bancada?

Eu mudei de representação, sim, mas o desafio é muito parecido. Educação e cultura sempre foram as pautas prioritárias dos meus mandatos. Fui autor do primeiro projeto de uma lei municipal de incentivo à cultura no Recife - em 1991, o projeto Wellington Virgolino, tendo como base a renúncia de IPTU e ISS. Depois, nos mandatos na Assembleia e na Câmara Federal, as minhas comissões prioritárias eram educação e cultura. Por isso ocorreu a minha aproximação com a Fundaj. Ela começou de dentro para fora; não foi uma escolha partidária. Foram primeiro os pesquisadores, até da própria Fundação, quem identificaram o meu nome. Como é um cargo comissionado, cuja nomeação passa por avaliação da Casa Civil, entrou o componente político, óbvio.

Sobre o cinema da Zona Norte, quando fica pronto?

Falta só uma filigrana da cortina elétrica, que abre e fecha. Acredito que no início de junho inauguramos. Ele vai permitir que a gente realize uma política de formação de público docente, atendendo a lei 13006, sobre cinema na educação, de Cristovam Buarque, da qual eu fui relator. Para a escola usar o cinema na educação, você tem de perguntar se o professor está indo ao cinema; se ele vai, é guiado pelas grandes publicidade e distribuidoras, pelos blockbusters nacionais e de Hollywood, ou ele tem uma curadoria mais qualitativa? A ideia é que a gente ofereça, com nossa capacidade técnica, formação de audiovisual para professores da educação básica, para que ele seja capaz de alimentar o uso do cinema na educação e levar a escola a produzir audiovisual. O custo baixou excessivamente. Eu tenho equipamentos parecidos com esses [aponta para câmera, tripé, luz] em casa.

Gosta de cinema?

Sou cinéfilo. Aprendi com meu pai, que era uma pessoa que não fez curso superior, foi da Marinha Mercante, mas que cultivou a fotografia nas suas viagens. Minha primeira câmera fotográfica foi uma Kodak Rio 400, lançada quando o Rio de Janeiro completou 400 anos - eu nasci no Rio e morei lá. Meu pai tinha um projetor 16mm, que passava filme dentro de casa. E eu tive um laboratório de fotografia preto e branco com meu irmão Alexandre Santiago, que é arquiteto.

Cineastas preferidos? Milos Forman, Kenneth Loach, Woody Allen, Quentin Tarantino...

Filmes prediletos? Cinema paradiso (Giuseppe Tornatore), Cenas de um casamento (Ingmar Bergman); e mais recentemente, O grande hotel Budapeste, que assisti no Cinema São Luiz.

E atores? Anthony Hopkins, Harvey Keitel, de O piano...

Paulo Rubem mostra foto tirada durante viagem que fez do Caribe a Patagônia Paulo Rubem mostra foto de flamingo, tirada durante viagem que fez do Caribe a Patagônia

Tem visto filmes pernambucanos?

De Marcelo Gomes vi todos; de Claudio Assis gosto muito, até conheço ele pessoalmente, de muito tempo. Não vi ainda O som ao redor, mas vi Recife frio [ambos de Kleber Mendonça Filho].

O que acha da produção no Estado?

O Canne [Centro Audiovisual Norte Nordeste] pode ser uma alavanca importante de formação de pessoal, que há uma demanda reprimida. A gente pode potencializar essa estrutura e o Estado tem de tomar iniciativa de intervir na realidade para reposicionar a economia. No ano passado escrevi um artigo, Adeus, monocultura, sobre a crise da zona canavieira, questionando o porquê do poder público não intervir na Mata Sul, onde tem universidade de formação de professores. Se cria incubadoras de projetos no Ensino Médio de lá, com formação de audiovisual, daqui a um tempo Palmares, por exemplo, se transformaria num polo audiovisual. Se deixarmos só a iniciativa privada comandar a economia, só vai ser o que ela quer, mas às vezes a solução da iniciativa privada é boa para o controlador do capital privado, mas não para a população. Hoje a juventude inteira tem celular na mão, fotografa e posta. É espontâneo, mas pode ter caráter de produção e valor agregado.

Então, está animado com a nova experiência?

Estou otimista! Vou fazer 60 anos no dia 17 de julho... Acho que é uma feliz coincidência e um sinal que a vida está me dando. Eu posso produzir como presidente da Fundaj tanto quanto produzi pelo País como deputado federal.

Mas há possibilidade de voltar a disputar na próxima eleição?

Essa agenda não está colocada. O processo de transição para um novo programa de ação é muito sólido e precisa, no mínimo, ser conduzido pela mesma pessoa por quatro anos. Tem que ter continuidade e consequência. A gente quer expandir a área de formação e pesquisa, re-significar a capacidade de pesquisa para novos fins, e encarar o desafio de fazer um plano de educação, que não é um plano só de escolarização. Trata-se de um plano de revolução, de mudança do projeto de nação. No momento em que as pessoas tiverem acesso à instrução, leitura e informação, elas vão se posicionar como cidadãos de uma forma diferente. É um processo que encontra resistência nas áreas financeira e política. Mas na hora em que você elimina dados como analfabetismo, evasão escolar, abandono precoce do Ensino Médio, baixa escolarização da população trabalhadora e percentual baixo de acesso à educação superior, você muda o país, automaticamente.

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