Silvia Cordeiro: mulher, gestora e feminista

Anneliese Pires
Anneliese Pires
Publicado em 08/03/2015 às 16:16
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DN040315044 Silvia Cordeiro é secretária da Mulher de Pernambuco - Fotos: Dayvison Nunes/JC Imagem

Silvia Cordeiro é médica de formação e feminista. Já militava no movimento de mulheres quando foi convidada, em 1983, para se inserir na fundação do Centro de Mulheres do Cabo, uma organização feminista que, naquele momento, já inovava levando as causas das mulheres para além das capitais, onde já era muito forte. Junto a este movimento, ajudou a levar os ideais feministas para a Zona da Mata pernambucana.

Em 2013 foi convidada pelo prefeito Geraldo Julio para estar à frente da secretaria da Mulher do Recife. Neste ano, foi a vez do governador Paulo Câmara chamá-la para uma missão mais ampla: cuidar das políticas públicas de gênero no âmbito estadual. Política esta que tem orgulho de dizer que é a melhor do país. “ Eu não sou nenhuma Poliana, mas acredito que as energias que eu coloquei na minha vida para essa causa já foram muito mais difíceis. Já foi muito pior. N´ss conseguimos pautar o Estado, estar na mídia, trazer essas questões para a discussão da sociedade”, orgulha-se.

Neste 8 de maio, o Social1 traz um bate-papo com esta mulher, médica, gestora pública e feminista. Veja a seguir:

 O que é o feminismo?

É um conceito ideológico de dizer que a sociedade se estrutura em categorias de gênero. Hoje, com os avanços da medicina, você pode até se transformar em um homem fisicamente, mas você é uma mulher. Gênero é estruturante. O feminismo traz a relação de poder entre homens e mulheres, desmistifica essa história do amor romântico que faz muito mal às mulheres e também aos homens, que matam por ciúmes. É olhar o mundo com os olhos das mulheres e reconhecer que nós não somos iguais, somos mulheres, mas tem a lésbica, a hetero, a negra, a rica, a com deficiência. Somos iguais em direitos, mas somos diferentes.

Como é feito o trabalho da Secretaria da Mulher?

Nossa missão é promover os direitos das mulheres pernambucanas. A grande luta, de início, era a prevenção e enfrentamento da violência de gênero, mas também a inserção das mulheres no mundo do trabalho, ampliação das mulheres nos espaços de poder e a transformação do Estado para atender as demandas dos novos sujeitos que estavam se organizando com plano de trabalho, políticas definidas e serviços.

A questão da violência ainda é o principal problema enfrentado pelas mulheres?

A questão na violência não é a principal, ela será sempre uma questão forte para a política de gênero. O grande serviço que a secretaria presta é o abrigamento de mulheres em risco de morte. Nós temos um núcleo de abrigamento do Estado 24 horas, ouvidoria com tele-atendimento e orientação. Ainda impulsionamos os municípios a criar seus organismos e seus centros de referência e, assim, organizar uma rede de serviços de apoio às mulheres em situação de violência. Não só atuamos como poder executivo, mas também nas negociações com O poder judiciário, as defensorias públicas, as varas especializadas em violência doméstica e a área toda de segurança pública. Em 2007 nós tínhamos quatro delegacias especializadas e a nossa meta era 14. Já estamos com 10.

Nós fazemos parte do conselho gestor do Pacto pela Vida de Pernambuco, semanalmente discutindo os casos, os encaminhamentos, pedindo ao juizes que façam mais varas especializadas, pedindo mais efetivo da polícia. Propomos as tornozeleiras que é uma forma protetiva para afastar o agressor da vitima, a patrulha Maria de Penha junto à Política Militar. Hohe há duas Recife, uma em Caruaru e outra em Jaboatão.

DN040315041 Silvia comemora a redução da violência contra a mulher no Estado.

Houve redução da violência contra a mulher depois disso?

Houve. Vocês estão acompanhando a crise nos presídios, o aumento da criminalidade através dos crimes violentos letais e intencionais. Entre nós mulheres está diminuindo, nós já fomos campeãs, estamos sempre numa tendência de diminuição.

A cultura machista não vai mudar tão cedo. A gente quer que esses homens também possam recomeçar suas vidas sem repetir comportamentos violentos de natureza afetivo sexual que a sociedade, às vezes, fecha os olhos porque acha que “em briga de homem e mulher não se mete a colher” , “ela gosta porque ela voltou para ele”. Ainda há toda essa cultura que banaliza a violência.

Fazemos a prevenção por meio de uma rede de serviços e uma articulação com os poderes. O que não queremos é que nenhuma mulher morra porque é mulher. Essa violência é por sua condição de mulher e nenhuma de nós estamos imunes a isso. Então existe aí uma forte cultura machista conservadora que normatiza a sexualidade das mulheres e não as protege. Isso precisa ser transformado e é possível sim. Foi construída, então se desconstrói. Não é fácil, é um trabalho muito árduo.

Quais as prioridades desse novo governo quanto as políticas públicas para as mulheres?

Nós estamos num momento de crise econômica então, nesse momento, ficamos na inserção das mulheres no mercado de trabalho, capacitando-as.

Na sua opinião, quais as maiores conquistas das mulheres até agora?

As mulheres conquistaram lugar na escola, estamos com mais tempo de estudo do que os homens, mais tempo de escolaridade. Mas, mesmo tendo essa escolaridade maior, ainda estamos abaixo na remuneração. Estamos nos cargos menos valorizados. Avançamos no direito à sexualidade. A Lei Maria da Penha é um marco histórico legal que criminaliza a violência e agora a gente teve a boa notícia que a morte de mulheres por sua condição de ser mulher passa a ser tipificado como feminicídio e é crime hediondo. A gente avança e vai arrumando problemas a enfrentar. A luta segue.

O que falta para que as mulheres conquistem mais direitos?

A gente caminhou muito, a gente tem que valorizar o que foi conquistado para não ficar só na vitimização. Precisamos, hoje, em termos de política pública paras mulheres no Brasil, andar mais do que já andou, discutir, nesse momento, que é o ano das confêrencias, o modelo de financiamento da política de gênero. Hoje, ela é financiada por editais com projeto que todo mundo concorre e isso não tem sustentabilidade. Nós estamos discutindo dentro do Estado levar essa discussão para todo o Brasil para que essa política não tenha retrocesso.A gente ganhou espaços e precisa ampliar esses espaços. Nós entramos no Estado agora e outra tarefa é lutar pela democracia.

Como?

Por exemplo, os rapazes estão cortando os pintinhos para serem moças. Os transgêneros. Como o Estado vai corresponder a esse segmento, como a secretaria tem que aprender sobre essa nova mulher que está chegando. Não dá para reclamar e dizer que não pode fazer, precisa, no mínimo, sentar e conversar sobre o assunto. Como dizemos no movimento feminista:“nenhum direito a menos, mais direitos”.

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