No Recife, animador de 'A noiva cadáver' faria filme com tubarão e belas mulheres

Mirella Martins
Mirella Martins
Publicado em 26/11/2014 às 18:01
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Em Hollywood, Tim Allen é, aparentemente, um nome comum. Basta escrevê-lo no Google para encontrar ao menos três "xarás" ligados ao mundo da animação: o ator que dublou o astronauta Buzz Lightyear na trilogia Toy Story, um antigo animador da Walt Disney e o nosso entrevistado. O terceiro, nos primeiros minutos de conversa com o Social1, recordou os percalços e a longa jornada que o levaram às primeiras páginas do Google. Vendo-o sorridente, sentado à mesa, colhendo os louros do seu trabalho, não há quem diga que um dos animadores de A Noiva Cadáver, do irreverente Tim Burton, um dia foi um estudante criticado por professores. Agora, homenageado do 4º Brasil Stop Motion e ovacionado por fãs e profissionais de cinema e animação, tudo o que ficou foi o aprendizado. "Fui um estudante aplicado, mas nem sempre agradei. De toda forma, continuei me esforçando. Era aquilo que eu queria".

Foto: Reprodução/Internet Foto: Reprodução/Internet

Comunicativo, durante almoço em restaurante do Recife, já rompia as fronteiras entre entrevistado e entrevistador: havia transformado o momento em um encontro entre amigos, onde questionava sobre o artesanato pernambucano e contava sobre suas experiências e gostos. De cara, declarou-se nômade: explora novos mundos, técnicas e sabores. Da sugestão de salada aos pontos turísticos, não dispensou nada. Em certo momento, até se comparou a Lorde Barkis, viúvo rico de A Noiva Cadáver. Acompanhe a entrevista:

No restaurante

Foto: Michele Souza/JC Imagem Fotos: Michele Souza/JC Imagem

Qual é a sua história com o stop motion? 

Depende de quantos detalhes você quer da história (risos).  Eu sempre amei stop motion, era fã d'O Estranho Mundo de Jack, mas nunca pensei nisso como um emprego. Na universidade, estava à procura de um curso de modelagem e enquanto esperava para fazer o tour de apresentação, alguém entrou na sala e perguntou: "tem alguém aqui para o curso de animação?". Eu pensei "ei, isso parece ser legal" e acabei fazendo o tour do curso de animação. Eu amava animação, modelos, então fazia sentido. Eu me esforcei muito para conseguir uma vaga naquele curso e fiz uma graduação de três anos, na qual eu trabalhava muito duro - nem sempre com sucesso, às vezes os professores odiavam o meu trabalho.

Não posso acreditar nisso.

Deixe-me mostrar alguns dos meus trabalhos do início... (risos). Eu me esforçava muito, estava muito decidido, como estudante, a provar para os meus professores que podia ser levado a sério como animador. No final da universidade, eu ganhei um prêmio de melhor aluno do último ano. Mas essa etapa tinha acabado, agora eu tinha que procurar um emprego, e isso era muito mais difícil. Então, eu saí da universidade com aquela sensação de que tudo estava indo bem, eu tinha produzido um filme que tinha vencido um prêmio universitário, as pessoas aparentemente achavam meu filme engraçado e gostavam dele, mas quando sai da universidade à procura de um emprego, todas as empresas pareciam achar que meu trabalho era bom, que eu era um cara legal, mas elas já tinham todas as pessoas de que precisavam, então não havia uma vaga para mim naquele momento - e era a mesma história em todo lugar que eu ia. Basicamente, eu trabalhava com qualquer coisa que aparecesse: limpeza, festas infantis, salva-vidas, uma infinidade de trabalhos temporários para ajudar a pagar o meu aluguel e a gasolina para continuar visitando empresas de animação. Eu tinha meu portfólio de modelagem e meu filme de animação, e ia para todas as empresas que eu encontrava na Inglaterra e no País de Gales. Durante um ano e meio foi sempre a mesma história: eles não precisavam de mais ninguém. Eu fiz alguns trabalhos de graça e algumas modelagens muito mal pagas, até conseguir meu primeiro emprego.

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Conte-nos sobre este primeiro emprego.

Bem, me ofereceram uma vaga em Londres, por um salário baixíssimo, para trabalhar em um programa educativo para crianças. Era um programa sobre contar dinheiro: os personagens eram todos roedores, como hamsters ou esquilos. Eles queriam comprar doces, mas não tinham dinheiro suficiente. E eu fiz isso diariamente durante uns oito meses. A parte positiva desse emprego foi que os personagens eram fofíssimos e muito bobinhos, então havia alguns diálogos interessantes, alguns momentos de ação em que o bandido tentava roubar uma pizza e o mocinho impedia, mas isso era no máximo 10% do programa. Então eu aproveitava as partes interessantes do trabalho, mas eu recebia muito pouco e trabalhava demais. Depois de oito meses, esse trabalho acabou e eu estava desempregado de novo. Precisei voltar a procurar empresas e empregos em animação, mas dessa vez eu já tinha mais experiência. Durante um bom tempo eu fiquei sem trabalhar, cada vez que eu conseguia algum trabalho temporário meu currículo e meu portfólio ganhavam um "extra", mas foi um processo lento para ganhar mais experiência, e muito tempo sem trabalho.

Foto: Reprodução/Internet Tim trabalhando em "A Noiva Cadáver". Foto: Reprodução/Internet

Depois de todo esse sofrimento inicial, como você conseguiu chegar a Hollywood?

Eu levei cerca de seis anos de empresa em empresa, fazendo principalmente séries para crianças, e lentamente me tornando mais flexível. Eu ia para uma empresa, aprendia o estilo deles e ia me aprimorando. Isso era tudo o que nós podíamos fazer naquela época - não havia nenhum grande filme sendo feito que fosse acessível. A única grande empresa produzindo filmes era a Aardman. Por isso, quando nós ouvimos falar que Tim Burton ia fazer esse filme chamado A Noiva Cadáver, ficamos todos empolgadíssimos, todos nós queríamos o emprego, pois era a primeira vez que teríamos a oportunidade de fazer algo assim. Para mim, como fã, a ideia de participar daquilo não era apenas empolgante, era um sonho. Foram necessárias três tentativas para eu conseguir uma entrevista. Da primeira vez que eu fui rejeitado, eu meio que desisti, tinha que aceitar que simplesmente não ia acontecer comigo. Mas ouvi dizer que eles continuavam procurando e insisti. Da terceira vez em que enviei uma amostra do meu trabalho me chamaram para uma entrevista. Eu consegui o emprego, então esse foi um dia feliz.

Como se sentiu ao finalmente alcançar aquele objetivo?

Parte de mim ainda estava com os olhos arregalados de tão empolgado, mas a outra parte pensava "Eu sou um animador com seis anos de experiência, essa é a minha chance de fazer o melhor trabalho da minha carreira", então estava levando tudo muito a sério e não queria pisar na bola. Tudo era incrível, eu enxergava a oportunidade maravilhosa que era, mas também era um pouco assustador.

Na praia

Após o almoço, seguimos para a orla de Boa Viagem, onde o mar serviu como plano de fundo para a segunda parte da nossa conversa.

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Sobre trabalhar com Tim Burton, suas noções estéticas são semelhantes às dele? Sempre quis trabalhar com aquele visual?

Honestamente, eu gosto de variedade. Eu sempre gostei de trabalhar para empresas e pessoas diferentes, e tentar reproduzir o estilo de cada uma delas. Há sempre tantas coisas diferentes para experimentar... Eu nunca quis fazer apenas aquilo. Claro que, como um estudante de artes, eu adorava o trabalho de Nick Park [animador de Wallace & Gromit], há muitas outras pessoas cujas obras eu admiro, então meu objetivo não era apenas fazer o estilo Tim Burton: eu queria trabalhar para o máximo de pessoas diferentes, aprender sobre o estilo delas e esperava me tornar um animador melhor por conta disso.

Quantas pessoas costumam trabalhar em uma grande produção como uma animação de Tim Burton?

Em A Noiva Cadáver e Frankenweenie, o estúdio era usado em sua capacidade máxima. Me disseram que era em torno de 150 pessoas. Não me pareciam ser tantas, mas há muitos estágios da produção, há as pessoas que planejam a história, que organizam tudo. Eu faço parte da equipe de filmagem, aqueles que montam os cenários e os bonecos e fazem as performances, a animação em si. Depois de nós, claro, há a pós-produção e tudo o mais. Eu era um de cerca de 25 animadores, para você ter uma ideia, e nós tínhamos uma grande equipe de iluminação, um enorme departamento de artes...

Você era o responsável por animar qual personagem de A Noiva Cadáver?

Lorde Barkis. O bandido. Serial killer, bígamo e psicopata. Foi a oportunidade de animar um personagem muito próximo do meu coração: ele perambulava de cidade em cidade, como eu costumava viajar de empresa em empresa; ele conhecia jovens ricas, casava-se com elas, as assassinava e depois seguia para a próxima cidade, então é algo que eu posso associar com a minha história (risos).

Quanto tempo costumam durar os bonecos utilizados nas filmagens?

Eles precisam ser extremamente duráveis, pois passam entre 11 e 12 horas por dia sendo animados. Precisam ser razoavelmente robustos para aguentar tanto manuseio. É necessário também um departamento de bonecos, que nós chamamos de hospital dos bonequinhos. Os bonecos se quebram e precisam de tempo para serem consertados. Às vezes, os danos são muito sérios e eles ficam sem poder ser animados por alguns dias, até uma semana.

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Qual foi a cena mais difícil de animar da sua carreira?

Eu fiz uma muito difícil em The Magic Piano; era uma cena de voo muito complicada com a "máquina voadora". O rig é um suporte que segura a máquina no ar e permite que ela seja girada, inclinada ou mude de posição. O rig que haviam construído não era capaz de fazer seu trabalho corretamente, por exemplo, aguentar o peso da máquina voadora. Havia uma pressão enorme para concluirmos a cena sem demorar muito, mas a maior dificuldade é quando o objeto que está sendo animado é fisicamente incapaz de fazer o o que você quer que ele faça, é uma luta para fazer tudo funcionar. Eu precisei desparafusar várias peças e colocar outras. Era uma máquina de dois metros de altura que eu precisava forçar em uma posição, fazer o quadro e, é claro, fazer a posição do quadro seguinte. Esta cena tornou-se uma das minha favoritas, quando se assiste ela parece tão complicada, eu tenho muito orgulho dela. Mas foi muito dolorosa de fazer e demorou o dobro do tempo que o meu produtor gostaria.  Para ele, não foi um grande sucesso. Estava programada para ser feita em duas semanas, e levou quatro.

Como você se sente em ajudar a criar um mundo através da animação?

É satisfatório dar vida a um personagem, mas o que mais gosto é de ver as pessoas assistindo e gostando, rindo, sentindo a emoção ou a tensão de cada cena. Para mim, animação tem a ver com obter a reação certa da plateia, fazê-los acreditar no que o personagem está fazendo. Se eu consigo fazer as pessoas acreditarem naquele momento do filme, acreditarem no personagem, sentirem o que ele sente, essa é a minha grande satisfação.

tabSe você fosse criar uma animação aqui no Brasil, como seria seu personagem?

Oh, meu Deus! Não faço ideia, esta é uma pergunta muito filosófica. Quais são minhas experiências no Brasil em dois dias? Tubarões, belas mulheres, café incrível, sol, praia. Provavelmente tubarões nadando com belas mulheres tomando café, na praia, usando óculos escuros. (risos)

A qual personagem de animação você daria vida?

Animar Wallace & Gromit seria ótimo. Eu adoro os personagens que eu assistia quando era criança. Sempre que refazem algum programa a que eu assistia quando pequeno, a ideia de participar traz bastante nostalgia... Se eu pudesse fazer algum deles, seria um sonho realizado.

E se você pudesse realmente dar vida a um dos seus personagens?

Essa eu vou ter que pensar. Me deu um branco! Bem, a Noiva Cadáver era muito sexy. Talvez magrinha demais... (risos). Há uma diferença entre dar vida a um personagem e trazer um personagem morto de volta à vida. Mas, falando em personagens mortos, provavelmente seria Jack Skellington. Em parte porque ele foi um dos que me inspiraram desde o começo. Ele não iria estragar o Natal, eu prometo. (risos).

TA

No festival

À noite, quando chegamos ao Cinema São Luiz, onde acontece o 4º Brasil Stop Motion, a fila no saguão dava voltas em torno do animador. Durante a sessão foram exibidas duas obras do inglês, The Magic Piano (Piano Mágico) e Peter and the Wolf (Pedro e o Lobo). Notoriamente orgulhoso, Tim confessou: "Minhas bochechas doem de tanto que já sorri hoje".

Szymon Wolski, Agnieszka Kowalewska e Paulina Zacharek, do Studio Se-Ma-For, e Tim Allen. Foto: Giovanni Costa/Divulgação Szymon Wolski, Agnieszka Kowalewska e Paulina Zacharek, do Studio Se-Ma-For, e Tim Allen. Foto: Giovanni Costa/Divulgação

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