Os bonecos de Silvio Botelho

De uma pequena casa colorida no Bairro do Amparo, no Sítio Histórico de Olinda, no Grande Recife, vão surgindo os tradicionais bonecos gigantes que animam o Carnaval da Cidade Alta. É no número 45 da Rua do Amparo que fica localizado o ateliê do artista plástico Silvio Botelho, responsável pela confecção daqueles que garantem a folia da maioria dos blocos da cidade.

Bonecos Gigantes: elementos tradicionais da folia pernambucana (Fotos: Felipe Ribeiro / JC Imagem)

Foi em 1974, aos 16 anos de idade, que Botelho recebeu sua primeira encomenda. O rapaz que produzia máscaras de barro e entalhava castanholas para ganhar algum dinheiro no período carnavalesco atraiu a atenção do presidente do bloco Menino da Tarde, Ernani Lopes, que lhe pediu para confeccionar o filho do Homem da Meia Noite com a Mulher do Meio Dia. "Quando eu recebi o convite, não tinha nenhuma experiência e nem ideia de como fazer. Só existiam dois bonecos, não havia manual, técnicas ou atalhos. Eu não iria fazer, mas o Ernani dizia: 'faz do mesmo jeito que as máscaras'. Ele me incentivou e acabei aceitando a proposta", conta.

Com 40 anos de experiência, hoje, Silvio é reconhecido nacionalmente

Depois do pontapé inicial, ele não parou. Em apenas cinco anos já havia produzido 100 bonecos e sua fama só fazia crescer, lhe rendendo o título de "Pai dos Bonecos Gigantes". Hoje, com 56 anos de idade e 40 anos como bonequeiro, já são quase mil personagens produzidos, dentre eles inúmeras personalidades históricas, como o músico e poeta Capiba, o rei do baião Luiz Gonzaga, a cirandeira Lia de Itamaracá, o ator John Travolta e até o personagem Hulk. "Ainda no início, quando eu peguei a ideia e levei ela à frente, o trabalho era totalmente artesanal. Eu usava barro, muita madeira, muito papel, porque a ideia era que eu pudesse ter garantia que o boneco não desmoronasse, era uma parafernália muito maluca", conta.

Ele transformou sua casa, no Amparo, em ateliê

Com a experiência, Silvio aperfeiçoou a sua técnica e introduziu outros materiais na confecção, como fibra de vidro, isopor, resina e massa plástica, facilitando o processo e diminuindo bastante o peso final dos bonecos. "Eu fui realizando novos testes, como eu ainda faço. E então, um boneco que pesava 50 kg, hoje pesa 15 kg. Tudo isso passou por uma série de processos, de estudos, de busca de informação até chegar à esse ponto, para facilitar a confecção e o envio para outros lugares", explica o artesão.

Diversos materiais fazem parte do processo artesanal

O cuidado com a produção dos bonecos é tão grande que ele chega a rejeitar pedidos quando não tem o material adequado à sua disposição. "Teve uma cliente, ainda este ano, que encomendou dois bonecos, uma dela e outro da filha, mas eu não aceitei porque não tinha o cabelo ideal. Era uma material que teria que buscar fora", diz.

Os personagens contam com detalhes como cabelo e barba específicos

O aperfeiçoamento em seu trabalho é constante e Silvio já pensa em mudanças futuras. "Eu queria mudar a concepção e a forma dos bonecos se apresentarem, deixar eles mais dinâmicos, mais interessantes, mais graciosos. Ter menos braços para baixo e ter mais movimentos. Mas, infelizmente eu ainda não consigo modificar, e dependo de outras ferramentas e estudos. E, no momento, isso não é possível, mas mas eu vou continuar tentando", revela.

O trabalho do artista já influencia outras gerações

Sobre o futuro da arte dos bonecos, Silvio se diz tranquilo, teve o cuidado de repassar o conhecimento para vários aprendizes com o passar dos anos. "Tem muitas pessoas que fazem bonecos hoje, muitos que aprenderam aqui, quem quiser pode aprender. Recrutei e influenciei muitos jovens. Eu só espero poder chegar a uns 80 anos e poder dizer que a história de Pernambuco tem um ícone maior na sua cultura, e poder servir de referência. Eu só me sinto as vezes desprestigiado pelo poder público", comenta. "O mesmo poder público está afastanto o Carnaval de suas raízes, nós temos atrações locais maravilhosas como André Rio, Almir Rouche, Marrom Brasileiro, Cezzinha, entre tantos outros, que precisam ser valorizados", completa, estendendo seu sentimento de insatisfação.

Botelho acredita que é preciso ter uma maior valorização da cultura local

Atualmente Silvio trabalha apenas por encomenda, atendendo de 20 à 30 pedidos por ano para todo o país. "É um trabalho semestral, a maior parte dos pedidos vêm entre agosto e fevereiro, e cada boneco leva no mínimo nove dias para ser finalizado, mas isso depende de como o cliente quer", explica. Os valores de cada boneco variam de acordo com as exigências do cliente, e vão de R$ 3 mil à R$ 15 mil, dependendo das especificações. "Se uma pessoa me pede um boneco que dure 15 anos, é totalmente diferente de um que seja para apenas um Carnaval", completa.

Há diferentes tipos de bonecos

Segundo Botelho, o pedido o boneco que mais marcou sua carreira continua sendo o primeiro, o Menino da Tarde. Já o pedido mais inusitado foi o ex-presidente Lula, no ano de 1986. "Me pediram para fazer o boneco e eu fiz com muito carinho, me dediquei. Daí eles levaram e, quando eu soube, eles tinham amarrado em um poste e queimado em um manifesto. Eu fiquei indignado, tocaram fogo na minha peça", revela. Para o Carnaval deste ano, o grande destaque é a representação do escritor Ariano Suassuna, encomendado para a homenagem do bloco Galo da Madrugada, mas outros pedidos futuros tem aparecido, à exemplo do boneco da presidente Dilma e dos jogadores Pelé e Neymar, de clientes que visam à da Copa do Mundo.

Personagens conhecidos fazem parte das encomendas