"Uma luta coletiva de cidadãos contra o financiamento do discurso de ódio e das Fake News" é como se define o perfil Sleeping Giants Brasil, em sua conta no Twitter, espaço onde começou atuar anonimamente neste mês de maio e já tem mais de 315 mil seguidores. A iniciativa, inspirada no movimento de mesmo nome que começou nos Estados Unidos, em 2016, e já acontece em pelo menos outros dez países, tem como objetivo alertar grandes empresas para o conteúdo dos veículos e pressionar a retirarem publicidade - programada - de páginas na internet que propagam desinformação.
Na primeira vez que foi posto em prática, nos EUA, o Sleeping Giants - com um nome que sugere que as grandes empresas estão dormindo para esse assunto - foi responsável por desarticular grande parte do faturamento de publicações ultraconservadoras norte-americanas, como aconteceu com o site de extrema direita Breitbart News, dirigido pelo ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon. Após a denúncia, a página perdeu mais de oito milhões de euros (50,7 milhões de reais) em publicidade.
“Nossa maior conquista é que os anunciantes passaram a entender que os recursos deles é que sustentam esses sites racistas, extremistas, e que essa publicidade tem enorme impacto”, disse o americano Matt Rivitz, que fundou o movimento, ao Jornal Folha de São Paulo, celebrando o feito de convencer 4.300 anunciantes a suspender publicidade do Breitbart.
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Como o Sleeping Giants Brasil atua
O sucesso estadunidense fez com que chegasse a vez do Brasil tentar esse modo de pressão por vias econômicas. Os criadores brasileiros conheceram a iniciativa através de uma reportagem sobre o assunto no El País. A partir daí, entraram em contato com Rivitz para obter autorização do nome. A conta tem um modelo de atuação: primeiro, ela escolhe um alvo, ou seja, um veículo que tem disseminado notícias falsas. Decidido isso, os usuários são convidados a darem prints nos anúncios que estão presentes na página escolhida e enviarem para o Sleeping Giants Brasil.
Os envios são verificados pelo perfil e, então, a conta publica tweets buscando uma resposta da empresa, "que geralmente não sabe da vinculação dos seus anúncios nesses sites". Depois disso, cabe a participação dos seguidores em engajar no tweet - respondendo, retwittando ou até enviando mensagem direta para empresa- de forma que ele ganhe maior alcance e a empresa se sinta obrigada a responder. A conta, ainda, lembra que busca "a conscientização e não o boicote".
Muitas pessoas têm se perguntado como nos ajudar, e acredito ser de suma importância reforçar isso agora que os robôs nos acharam. Segue a thread ???????? ?????#SleepingGiantsBrasil
— Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) May 20, 2020
Jornal da Cidade Online
Logo no início da criação da conta no Twitter, a primeira página alvo dessa pressão foi o Jornal da Cidade Online. O perfil já alertou publicamente a mais de 30 empresas que tem (ou tinham) a publicidade veiculada ao portal, conhecido pela propagação de notícias falsas e que recentemente vem publicando uma série de artigos de opinião em defesa da política do uso da cloroquina para o tratamento contra a covid-19.
Durante esse período, o perfil expôs marcas como Dell, Claro, Tim, Samsung, Americanas, Submarino, Mercado Livre, Philips, Magazine Luiza, Jeep, e Banco do Brasil. O Sleeping Giants também mencionou anúncios de veículos de comunicação e audiovisuais como a Folha de São Paulo, Telecine e Canal History Brasil.
Oii @DellnoBrasil, tudo bem? Realmente seus notebooks são incríveis, só não acho legal divulga-los em site famoso por espalhar Fake News e atacar constantemente a democracia. Pls considere bloquear?????#SleepingGiantsBrasil pic.twitter.com/2ATIcvz6dU
— Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) May 19, 2020
Mais uma vitória nossa! Parabéns @DellnoBrasil, sabíamos que você não ia nos decepcionar! Obrigado pelo apoio?????#SleepingGiantsBrasil https://t.co/VrUIkScPaw
— Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) May 19, 2020
Sobre o caso, o Jornal da Cidade Online declarou uma nota chamando o movimento de “pura canalhice” e afirmou estar promovendo a censura. Ainda, segundo o texto, as empresas que cederam ao pedido de retirada de anúncio “compactuaram com os pedidos da máfia comunista”.
Carlos Bolsonaro e o Banco do Brasil
Contrário ao movimento Sleeping Giants Brasil, o vereador Carlos Bolsonaro (Podemos) criticou a postura do Banco do Brasil de retirar anúncio do Jornal da Cidade Online, quando pressionado pelo perfil. Após isso, a empresa decidiu voltar atrás e restabelecer a publicidade no portal acusado de produzir desinformação.
Marketing do @BancodoBrasil pisoteia em mídia alternativa que traz verdades omitidas. Não falarei nada pois dirão que estou atrapalhando..... agora é você ligar os pontinhos mais uma vez e eu apanhar de novo, com muito orgulho! Obs: não conheço ninguém do @JornalDaCidadeO pic.twitter.com/Ev4zc67K2G
— Carlos Bolsonaro (@CarlosBolsonaro) May 20, 2020
O presidente do banco, Rubem Novaes, defendeu o desbloqueio e o Banco do Brasil restabeleceu a verba no mesmo dia da denúncia de Carlos Bolsonaro. De acordo com o Jornal Folha de São Paulo, a área técnica, da qual faz parte o filho do general Mourão, Antônio Mourão, considerou excessivo o veto ao site por produção de conteúdo falso.
O Sleeping Giants Brasil reagiu à atitude do Banco do Brasil e considerou ser a primeira derrota.
Galera temos muitas empresas para cobrar ainda, mas acreditamos que sofremos nossa primeira derrota para a máquina de Fake News. O @BancodoBrasil sofreu uma intervenção estatal e voltou a usar dinheiro público para financiar o site que atenta constantemente a democracia! https://t.co/IdJctPhjbn
— Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) May 22, 2020
Google e a publicidade programática
As empresas que anunciaram no portal fizeram por meio do Google, através da publicidade programática. Desse modo, não é a companhia que decide em qual site específico seu anúncio irá aparecer, mas sim uma ferramenta do Google que direciona os anúncios a partir de filtros pré-definidos pelas empresas. O fundador do Sleeping Giants é contrário a empresa. “O Google faz o mínimo possível para punir e evitar que anúncios financiem sites com visões extremistas, eles não querem nunca assumir o papel de moderar conteúdo", diz Rivitz ao Jornal Folha de São Paulo.
O Google tem um filtro que barra automaticamente sites que divulgam conteúdo relacionado a violência, incitação ao ódio, drogas e temas adultos de cunho sexual. Entretanto, conteúdos políticos não tem esse filtro: a regra é não atuar como regulador. A empresa afirma ter políticas contra conteúdo enganoso nas plataformas e trabalhar para destacar conteúdo de fontes confiáveis.
"Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas”, disse o Google em nota. A companhia ressalta que suas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.