Na violenta Ciudad Juárez, peritos reidratam corpos para identificá-los

Agence France-Presse
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Publicado em 22/12/2018 às 18:46
Especialista forense mexicano Alejandro Hernandez Cardenas-Rodriguez trabalha na reidratação de tecidos no Laboratório de Serviços Especializados e Ciências Forenses da Procuradoria Geral de Chihuahua, em Ciudad Juarez, México (Herika Martinez / AFP)
Especialista forense mexicano Alejandro Hernandez Cardenas-Rodriguez trabalha na reidratação de tecidos no Laboratório de Serviços Especializados e Ciências Forenses da Procuradoria Geral de Chihuahua, em Ciudad Juarez, México (Herika Martinez / AFP) FOTO: Especialista forense mexicano Alejandro Hernandez Cardenas-Rodriguez trabalha na reidratação de tecidos no Laboratório de Serviços Especializados e Ciências Forenses da Procuradoria Geral de Chihuahua, em Ciudad Juarez, México (Herika Martinez / AFP)

Por conta do seu avançado estado de decomposição, o cadáver putrefato de Jorge poderia ter sido enterrado como desconhecido, assim como tantos outros no México. Mas o trabalho forense dos peritos de Ciudad Juárez permitiu identificá-lo, graças a uma técnica de reidratação que possibilitou descobrir as suas tatuagens.

A experiência com vítimas como Jorge, e os mais de 14.000 mortos devido à guerra entre os carteis de drogas durante a última década em uma das regiões mais violentas do México, converteu os legistas do Laboratório de Serviços Periciais e Ciências Forenses da Procuradoria-Geral de Chihuahua em importantes especialistas em sua área.

A reidratação e conservação de tecidos moles de cadáveres mumificados ou putrefatos com objetivo forense se tornou - junto com a balística - uma ação-chave contra a impunidade para a Unidade Especializada em Cena de Crime e o Serviço Médico Forense (Semefo).

Emilio Varela, funcionário do Laboratório de Serviços Especializados e Ciências Forenses da Procuradoria Geral de Chihuahua, trabalha com o corpo de um homem assassinado para o Serviço Médico Forense (Semefo) em Ciudad Juarez (Herika Martinez / AFP)

Devido a diferentes fatores como o tempo da morte e o clima, nem todos os corpos podem ser identificados, o que, em 2004, começou a preocupar o perito odontológico forense Alejandro Hernández-Cárdenas Rodríguez. Assim, começou a fazer testes para melhorar as fórmulas de reidratação, técnica inventada no início do século XX nos Estados Unidos.

Em pouco tempo, Hernández-Cárdenas inventou uma solução com a qual conseguiu reidratar "algumas centenas" de dedos, mãos, orelhas e corpos inteiros.

Para conseguir isto, prepara uma mistura de entre 250 e 300 litros de água com essa solução, que deposita em uma grande bacia onde coloca os cadáveres, que podem permanecer de três a cinco dias - se estiverem putrefatos - ou de cinco a sete dias - se estiverem mumificados. Depois consegue identificar se morreram por uma lesão de arma branca ou arma de fogo, por exemplo.

"Se você entrega esse corpo a uma família - putrefato ou mumificado - e não conseguem reconhecê-lo, ou o veem e não se parece nada com seu ente querido, estarão sempre incertos sobre quem realmente é, apesar de dizermos a eles que, pela genética, há a certeza de 99,99% de que realmente é", expõe o especialista.

"Mas se entregarmos a eles um corpo em melhores condições - reidratado -, vão ter a certeza de que realmente estão recebendo o corpo do seu ente querido", continuou.

O especialista forense Alejandro Hernandez Cardenas-Rodriguez trabalha na reidratação de tecidos no Semefo (Herika Martinez / AFP)

A fórmula, patenteada desde 2017, permite melhorar a aparência da pele e dos órgãos, descobrir tatuagens, cicatrizes, manchas e lesões. Graças a isso, Hernández-Cárdenas se tornou referência internacional, oferecendo workshops e conferências no exterior.

Após a reidratação do corpo de Jorge, os especialistas descobriram seu nome escrito sobre um coração vermelho no lado esquerdo de seu peito; um sol asteca em um antebraço e os dizeres "Juaritos", "Mi madre Petra" e "Mi hijo Jesús José" no corpo escurecido encontrado depois de passar um mês sem vida, putrefato e rígido.

Em Chihuahua, a taxa de homicídios a cada 100.000 habitantes passou de 25,47 em 2015 para 40,11 em 2018, segundo cifras oficiais nas quais estão contempladas situações ocorridas até 31 de outubro. Este ano, Ciudad Juárez já soma mais de 1.118 homicídios dolosos.