Tratamento inovador ajuda pacientes com paralisia a andar

Agence France-Presse
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Publicado em 03/11/2018 às 10:55
David Mzee, que sofreu uma paralisia completa da perna esquerda, é um dos pacientes que está testando o método revolucionário que usa estímulos elétricos (AFP PHOTO /EPFL/CHUV)
David Mzee, que sofreu uma paralisia completa da perna esquerda, é um dos pacientes que está testando o método revolucionário que usa estímulos elétricos (AFP PHOTO /EPFL/CHUV) FOTO: David Mzee, que sofreu uma paralisia completa da perna esquerda, é um dos pacientes que está testando o método revolucionário que usa estímulos elétricos (AFP PHOTO /EPFL/CHUV)

Um tratamento inovador envolvendo o estímulo elétrico da medula espinhal permitiu a pacientes com paralisia voltar a andar, aparentemente reativando conexões nervosas. A novidade reacende as esperanças de recuperação dos movimentos mesmo anos depois da ocorrência de uma lesão.

Uma equipe de cientistas, incluindo neurocirurgiões e engenheiros, usaram impulsos elétricos direcionados para obter os resultados, ativando músculos individuais em sequência, da forma como o cérebro faz.

Os impulsos são produzidos por um implante posicionado sobre a espinha, cuidadosamente alinhado com áreas que controlam os músculos na parte inferior do corpo. Até o momento, os resultados foram promissores.

"Este teste clínico me deu esperança", disse Gert-Jan Oskam, de 35 anos, que após um acidente de trânsito em 2011, ouviu que nunca mais voltaria a andar. Após cinco meses de tratamento, ele agora consegue andar curtas distâncias mesmo sem a ajuda dos estímulos elétricos.

Trata-se do clímax de "mais de uma década de pesquisa cuidadosa", afirmou à Gregoire Courtine, neurocientista do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, que ajudou a chefiar a pesquisa. Testes anteriores usaram o chamado estímulo elétrico contínuo da espinha, que funcionou bem em camundongos, mas obteve resultados menos impressionantes em humanos.

Depois de alguns meses de treinamento com os impulsos direcionados, no entanto, "nossos participantes foram capazes de ativar seus músculos previamente paralisados sem o estímulo elétrico", disse Courtine. "O resultado foi completamente inesperado", acrescentou, em um vídeo que será divulgado na quinta-feira por ocasião da publicação da pesquisa.

"Eles conseguiram até dar alguns passos sem qualquer suporte, sem ajuda das mãos. Para mim, ver esta recuperação foi incrível".

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- 'Reativando' conexões nervosas -

Filmagens feitas do estudo mostram claramente a forma como o estímulo direcionado difere dos impulsos contínuos. Com o estímulo direcionado, o paciente caminha de uma forma quase normal, com os pés subindo e descendo a cada passo.

O estímulo continuado, ao contrário, produz um movimento mais desengonçado, com os pés do indivíduo se arrastando, tirando-lhe o equilíbrio. Além disso, o impulso direcionado, combinado com um programa de fisioterapia extensivo, aparentemente conseguiu reativar as conexões nervosas que ficaram inativas após a lesão sofrida.

David Mzee, de 28 anos, sofreu paralisia completa na perna esquerda após um acidente em 2010, mas depois do programa de cinco meses, ele é capaz de caminhar por até duas horas com um andador usando o estímulo elétrico, ou dar passos em distâncias mais curtas sozinho.

Gert-Jan Oskam, em testes no Lausanne University Hospital (AFP PHOTO /EPFL/CHUV)

O estímulo começa com um impulso direcionado a um músico para incitar o paciente a começar um movimento - um passo por exemplo. Sensores no pé detectam o movimento como a fase inicial de um passo e impulsos direcionados adicionais ativam os movimentos musculares necessários para completar o passo e repeti-lo. Ao mesmo tempo, os pacientes pensam em mover estes músculos e caminhar.

Uma vez que os neurônios no cérebro disparam quase ao mesmo tempo em que os impulsos elétricos estimulam os músculos, a técnica parece eventualmente "reconectar" o cérebro aos músculos. Os pacientes conseguem, então, comandar o movimento muscular mesmo sem o impulso elétrico.

- 'Muito trabalho a fazer' -

"Foi incrível ver todos estes pacientes mexendo suas pernas sem o estímlo elétrico", disse Jocelyne Bloch, neurocirurgiã do Hospital da Universidade de Lausanne, que ajudou a conduzir o estudo.

Em uma avaliação independente, Chet Moritz, professor associado do departamento de medicina de reabilitação da Universidade e Washington, elogiou o trabalho. "O campo da lesão na medula espinhal está destinado a dar um salto gigantesco no tratamento daquilo que era até muito recentemente considerado paralisia incurável", escreveu.

Courtine alertou, no entanto, que é "muito importante calibrar as expectativas", destacando que os três pacientes ainda dependem na maior parte do tempo de suas cadeiras de rodas. O estudo também se concentrou apenas em pacientes que preservaram algum tipo de sensação na parte inferior do corpo.

Courtine disse esperar para ver a técnica combinada com tratamentos biológicos no reparo neuronal. Ele e Bloch fundaram uma start-up que irá refinar o tratamento e testá-lo em pessoas que sofreram lesões recentes na coluna espinhal, quando a técnica é mais propensa a ter sucesso.

"Ainda há muito trabalho a fazer para mudar as vidas destas pessoas", disse Courtine.