'Arquivos insubstituíveis' desaparecem com Museu Nacional, diz especialista

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 04/09/2018 às 9:15
O maior meteorito descoberto no Brasil, chamado "Bendego", com 5,3 toneladas em exibição no Museu Nacional do Rio de Janeiro (AFP PHOTO / Mauro PIMENTEL)
O maior meteorito descoberto no Brasil, chamado "Bendego", com 5,3 toneladas em exibição no Museu Nacional do Rio de Janeiro (AFP PHOTO / Mauro PIMENTEL) FOTO: O maior meteorito descoberto no Brasil, chamado "Bendego", com 5,3 toneladas em exibição no Museu Nacional do Rio de Janeiro (AFP PHOTO / Mauro PIMENTEL)

Com o incêndio do Museu Nacional do Rio, foram perdidos "arquivos insubstituíveis da biodiversidade", explica à AFP Philippe Grandcolas, especialista francês em evolução dos insetos.

Diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), Grandcolas lidera um laboratório sobre evolução e biodiversidade do Museu Nacional de História (MNHN) de Paris.

Agence France-Presse: Você conhecia bem o Museu Nacional do Rio?

Philippe Grandcolas: Sim, trabalhei lá em várias ocasiões. Era um edifício antigo, que infelizmente não estava em perfeito estado. Inclusive pode-se dizer que era vetusto. Não teve nenhuma renovação importante recentemente. Infelizmente, muitos edifícios universitários não estão em bom estado.

Era um lugar com muito encanto, com riqueza do ponto de vista científico, humano e histórico. Mas não era o mais moderno que você pode visitar.

O interior do Museu Nacional, no Rio, antes do incêndio (AFP PHOTO / Erwan LE BOURDONNEC)

AFP: Qual era a importância deste museu?

Grandcolas: Este museu de história natural tinha uma importância histórica, pois possuía muitas amostras antigas que tinham sido reunidas há anos. Entre elas, havia uma das mais belas coleções de vertebrados fósseis da América do Sul.

Era um dos museus mais destacados da América do Sul. Não era apenas um lindo museu, mas um dos arquivos da biodiversidade e dos artefatos humanos desta região do mundo.

Infelizmente, grande parte do local foi queimada. Uma colega brasileira me enviou um e-mail e me contou que a coleção de insetos, por exemplo, desapareceu completamente com o incêndio.

É preciso imaginar um edifício de pedra com pisos de madeira, falsos tabiques de madeira, velhas persianas de madeira, caixas de papelão para conservar os insetos. E em alguns lugares havia frascos de vidro cheios de álcool para conservar diferentes vertebrados, como rãs, lagartixas...

Um dos itens perdidos no incêndio que atingiu o Museu Nacional, no Rio (AFP PHOTO / Erwan LE BOURDONNEC)

AFP: Como se explica a comoção causada pela destruição das coleções?

Grandcolas: É um drama para todo mundo. Um museu de história nacional deve ser visto como uma biblioteca. Sua função é que todo mundo possas consultar suas coleções.

E ainda assim, uma biblioteca costuma ter vários exemplares dos livros impressos.

Em um museu de história natural, cada espécime é único. Quando se recolhe um da natureza, não tem a mesma estrutura genética que seu vizinho. Pode ser que tenha sido coletado em um lugar que depois desapareceu.

Conhecer estes espécimes é muito útil. Pode nos ajudar a identificar uma espécie invasora que ameaça os cultivos e a aprender como se desfazer dela. Pode permitir reparar plantas que têm um interesse farmacêutico.

Os museus de história natural são consultados constantemente para este tipo de coisas. São utilizados diariamente.

Na minha opinião não se deve abandonar o museu do Rio. Um bom exemplo de solidariedade seria que todos os museus de história natural do mundo compartilhem um pouco suas coleções para que, quando tiverem amostras brasileiras em quantidade suficiente, possam enviar algumas para o Brasil.

É verdade que isso seria um pouco complicado de organizar do ponto de vista jurídico. Dependerá dos governos.

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