Boatos no WhatsApp deflagram onda de linchamentos na Índia

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 27/06/2018 às 19:08
Foto: Sam Panthaky / AFP
Foto: Sam Panthaky / AFP FOTO: Foto: Sam Panthaky / AFP

Por: AFP

A Polícia indiana pediu nesta quarta-feira (27) à população que ignore os boatos que circulam no WhatsApp sobre traficantes de crianças, que levaram a um morto e vários feridos.

Segundo as mensagens, 300 traficantes teriam chegado a Gujarat para sequestrar crianças e depois vendê-las, uma informação que deflagrou cinco agressões, ontem, em várias cidades desse estado do oeste da Índia.

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De acordo com a imprensa indiana, no último ano, rumores sobre os supostos sequestradores já teriam provocado incidentes de violência com pelo menos 22 mortos em todo país.

"Não se deixem levar pelas mensagens falsas, ou pelos boatos nas redes sociais, e não ataquem ninguém com base em suspeitas", pediu a Polícia estadual em um comunicado.

Os anos recentes têm sido marcado por episódios similares na Índia, quando boatos divulgados pelo WhatsApp terminaram causando linchamentos.

Na terça, na cidade de Ahemdabad, cerca de 100 pessoas atacaram uma mendiga de 45 anos, identificada como Shantadevi Nath, e outras três mulheres, acusando-as de serem membros dos grupos de traficantes descritos nas mensagens.

"A multidão começou a dar chutes e socos nas quatro mulheres (...) provocando ferimentos graves em Shantadevi e de menor gravidade nas outras três", disse à AFP o chefe da Polícia local, JA Rathwa. Shantadevi Nath faleceu pouco depois no hospital.

Em Rajkot, outra cidade do estado, seis pessoas ficaram feridas e, em Surat, foram registradas outras duas agressões.

Fake news?

Na cidade de Surat, no mesmo estado, uma multidão formada majoritariamente por homens obrigou uma mulher de 45 anos e o bebê que levava com ela a irem a uma delegacia. Eles a acusavam de ter sequestrado a menina, que era, na realidade, sua filha.

"As duas foram levadas para a delegacia, onde ficou claro que eram mãe e filha e que estavam na cidade para um evento familiar", disse uma autoridade policial à imprensa local.

O fenômeno dos boatos não é novo na Índia, mas se acelerou e se disseminou com a democratização da Internet e com o uso em massa de aplicativos de troca de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, propriedade do americano Facebook. São mais de 200 milhões de usuários ativos mensais na Índia, um país de 1,25 bilhão de habitantes.

"Todo o mundo usa o WhatsApp e, hoje, é a melhor plataforma para difundir 'fake news' [notícias falsas], porque a Internet móvel custa quase nada e todo o mundo na Índia tem acesso aos telefones celulares", disse à AFP Pankaj Jain, do site especializado SMHoaxSlayer.

O editor-chefe do site MediaNama, Nikhil Pahwa, pede que a Polícia indiana responda a esses boatos "com esclarecimentos rápidos". Teriam de "usar todas as plataformas para lutar contra informações desse tipo", completa.

Jency Jacob, da organização indiana de verificação de dados BOOM, "culpar a tecnologia não é a melhor maneira" de resolver o problema.

"As pessoas não confiam nos políticos, nem no sistema judiciário. Então, quando aumentam os boatos sobre sequestros de crianças, provocam linchamentos. É um problema social complexo e o WhatsApp e as demais redes sociais amplificam a mensagem", adverte.