Fake news: só a educação pode parar esse fenômeno

Maria Luiza
Maria Luiza
Publicado em 11/03/2018 às 8:36
Painel na SXSW discutiu o papel de alunos, professores, agregadores, produores e consumidores de informação na propagação de mentiras
Painel na SXSW discutiu o papel de alunos, professores, agregadores, produores e consumidores de informação na propagação de mentiras FOTO: Painel na SXSW discutiu o papel de alunos, professores, agregadores, produores e consumidores de informação na propagação de mentiras

Ensinar técnicas jornalísticas a estudantes adolescentes é a receita da jornalista e educadora americana Esther Wojcicki para combater as fake news, notícias falsas que viraram febre na internet e, no caso americano, são facilmente associadas à vitória de Donald Trump. Fake news foi inclusive escolhida como a palavra do ano de 2017 pelo dicionário Collins. Com o fenômeno da propagação desse conteúdo mentiroso assustando o mundo, claro que tema não ficaria de fora da South by SouthWest (SXSW), evento mundial que discute tecnologia, mídia, cinema e música em Austin, no Texas.

Wojcicki fundou na Palo Alto High School um programa de mídia e artes onde usa como material notícias publicadas em jornais, revistas, websites, rádio, TV, vídeos para dar poder aos estudantes de entender e aprender as técnicas do jornalismo. “O que jornalista faz? Busca informação de várias fontes, analisa a informação, determina o que é mais importante e verdadeiro, descreve de forma suscinta e engajadora essa informação e publica online, usando tecnologia. Quantos adultos são capazes de fazer isso?”, questiona.

“Estudos mostram que no Twitter uma história falsa circula de maneira muito mais rápida e abrangente do que histórias verdadeiras. E essas histórias falsas são escritas como um romance, de forma mais emocional do que as notícias. Isso também as torna mais clicáveis”, acrescentou a pesquisadora no painel "A única solução para as fake news é educação para todos". "Os adolescentes de hoje são nossa maior esperança no combate às fake news”, destacou em outro ponto.

 

Os adolescentes de hoje são nossa maior esperança no combate às fake news

Esther Wojcicki

Esther Wojcicki considera que o ensino praticado hoje nos Estados Unidos em nada prepara o jovem para o mundo em que ele vai viver. “O foco é a memorização. Você estuda para o teste. E sobre testes, o professor Eric Mazul, da Universidade de Harvard, já provou que duas semanas depois de um teste, os estudantes lembram apenas de 32% do que estudaram. Um ano depois, lembram menos de 10%. Isso porque Mazul só estudou os alunos que obtiveram as maiores notas.

“Para sobreviver no mundo atual, nossas crianças precisam aprender pensamento criativo, resolução de problemas do mundo real, habilidades técnicas, ética, solução de conflitos, tolerância, tomada de decisões baseada em dados, gerenciamento de projetos, em vez de estarem decorando livros. Todo mundo quer que nossos estudantes sejam enciclopédias. Mas isso não faz nenhum sentido no mundo atual”, acrescenta. “Em vez disso, todo mundo segue buscando notas altas. Assim entramos na universidade até hoje”.

“Nós hoje ensinamos como nós estudamos. E ninguém quer mudar isso. Professores são resistentes a dar mais poder aos alunos. Os pais não querem que seus filhos sejam os primeiros a receber essa nova forma de ensinar. Isso torna quaquer mudança muito difícil”, lamenta.

A parcela de culpa de cada um

A jornalista Barbara McCormack, vice presidente de Educação do Newseum (museu interativo dedicado ao jornalismo, localizado em Washington), também participante do painel, destacou que há três atores no processo. E que todos têm a sua parcela de culpa na propagação das fake news: emissores, agregadores e consumidores.

Muita gente acha que a culpa é só dos agregadores (sobretudo redes sociais). “De fato, há a questão dos algoritmos que ninguém sabe exatamente como escolhem o que cada consumidor vê. Há ainda a proliferação do fenômeno dos bots. Ninguém sabe mais se um humano está por trás de determinado compartilhamento. Mas produtores e consumidores também têm sua parcela de culpa”, diz.

Produtores e consumidores de informação também têm sua parcela de culpa na propagação das fake news. Não apenas os agregadores com os algoritmos que ninguém conhece.

Barbara McCormack

 

Falando dos produtores, e deixando de lado sites maliciosos criados só para propagar mentiras, McCormack diz que a mídia tradicional tem sua parcela de culpa. “TVs e jornalismo online, por exemplo, muitas vezes misturam o que é notícia com o que é comentário. E o consumidor nem sempre percebe a diferença. Muitas vezes a imprensa faz manchetes que são cata cliques e ainda há muita confusão sobre o que é notícia de interesse público e conteúdo patrocinado” diz.

Para falar do quanto o consumidor também é culpado, ela citou que estudos da Columbia University indicando que 59% dos links do Twitter são compartilhados sem sequer serem abertos. Lembrando que, nos Estados Unidos, o WhatsApp não é tão popular e onipresente como no Brasil (e pelas características do “Zap”, ele nem tem como ser estudado dessa forma, por não ser possível rastrear seus compartilhamentos). McCormack também ressaltou os maus hábitos. Lembrou de uma palestra que fez ao lado do diretor de redação do Washington Post na semana anterior. “Naquele dia, as notícias mais lidas de todo o site eram sobre a final do reality show The Bachelor”, disse. Não é ser muito diferente do que acontece no Brasil com o BBB.