Para humanos primitivos, canibalismo era mais do que apenas uma refeição

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 09/04/2017 às 10:06
Canibalismo no Brasil em 1557, como descrito por Hans Staden (por volta de 1525 - Wolfhagen, 1579). Gravure de Théodore de Bry, 1562
Canibalismo no Brasil em 1557, como descrito por Hans Staden (por volta de 1525 - Wolfhagen, 1579). Gravure de Théodore de Bry, 1562 FOTO: Canibalismo no Brasil em 1557, como descrito por Hans Staden (por volta de 1525 - Wolfhagen, 1579). Gravure de Théodore de Bry, 1562

Os humanos primitivos comiam indivíduos da sua própria espécie mais provavelmente com fins rituais do que para obter uma refeição nutritiva, de acordo com um estudo divulgado nesta semana.

O estudo calculou o valor calórico de cada parte do corpo humano e argumentou que o canibalismo pré-histórico, embora menos raro do que se pensava, era um empreendimento perigoso que oferecia recompensas nutricionais relativamente escassas.

Um cavalo selvagem, urso ou javali tinham mais de três vezes as calorias de gordura e proteína do que nossos antepassados humanos, que eram magros e de tamanho médio, de acordo com a pesquisa, publicada na revista Scientific Reports. Além disso, presas humanas - tão astutas quanto o caçador - certamente iriam lutar bastante antes de ser cortadas em filés.

"Eu fiz esse estudo porque queria saber quão nutricional somos em comparação a esses outros animais", explicou James Cole, um professor sênior de arqueologia na Universidade de Brighton, na Inglaterra. "Isso pode nos dizer se nós, e outras espécies humanas, fazíamos isso pelas calorias, ou se há alguma outra explicação", disse à AFP.

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As descobertas apoiam a ideia de que o canibalismo entre os homo sapiens - assim como entre os homens de Neandertal, os homo erectus e outros hominídeos - era repleto de significados culturais. Estudos recentes sugerem que nossos antepassados, incluindo os Neandertais, tinham culturas ricas, evidenciadas por artefatos, joias e talvez pela linguagem.

"Parece irrazoável pensar que os humanos primitivos não teriam tido uma atitude tão complexa em relação ao canibalismo quanto nós, humanos modernos", disse Cole. "Eles podem ter tido tantos motivos para consumir uns aos outros como nós. (...) Não se trata apenas da carne", acrescentou.

Chupar um osso da perna ou roer um baço podia ser uma maneira de afirmar o controle territorial e de prestar homenagem a familiares falecidos, disse Cole. "O consumo da comida nesse cenário é uma espécie de bônus", ressaltou.

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De um modo mais geral, o estudo sugere que nossos antepassados eram provavelmente muito mais sofisticados do que suspeitamos. Uma revisão de registros fósseis, junto com pesquisas genéticas recentes, mostraram que o canibalismo entre as espécies de hominídeos, ou entres os homens primitivos, era bastante comum.

Uma série de motivações são usadas para explicar o canibalismo moderno, desde a psicose até a guerra, medicina ou ritual funerário. Naufrágios e acidentes de avião também podem levar ao canibalismo de sobrevivência.

Mas para os humanos primitivos, disse Cole, essa complexidade tem sido injustificadamente reduzida a "nutritivo" versus "ritual", com a suposição adicional de que o alimento é geralmente o motivo principal.

AFP