Apple e o tesouro escondido pelas multinacionais

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 04/09/2016 às 10:32
Apple.Foto: AFP / GABRIELLE LURIE
Apple.Foto: AFP / GABRIELLE LURIE FOTO: Apple.Foto: AFP / GABRIELLE LURIE

(AFP)

A gigantesca conta que a Apple deverá pagar por benefícios fiscais que a União Europeia considerou indevidos ilustra o enorme tesouro que as grandes multinacionais americanas têm fora de seu país para pagar menos impostos.

Essa fortuna guardada em países de encargo fiscal muito menor que dos Estados Unidos é de 2,4 trilhões de dólares, segundo a Audit Analystics e é um alvo tentador para qualquer governo em busca de recursos.

Washington reivindica seu direito de cobrar impostos por esse dinheiro - que normalmente está sob suspeita de ter sido transferido mediante argúcias contáveis. Entretanto, multinacionais da dimensão de Apple, Microsoft, General Electric e Pfizer alegam esperar que os Estados Unidos rebaixem seus impostos antes de repatriar esses fundos.

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Na última terça-feira (30), a Comissão Europeia sentenciou que as vantagens tributárias outorgadas pela Irlanda para a Apple não se ajustavam às normas da União Europeia e ordenou que a empresa americana desembolsasse mais de 13 bilhões de euros em impostos não pagos.

A companhia disse que apelaria a sentença e os Estados Unidos acusaram as autoridades europeias de romper com a prática internacional ao tributar impostos com efeito retroativo.

Entretanto, o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos também deixou claro que reivindicava seu direito de tributar esse dinheiro que as multinacionais guardam fora de seu território e indicou que a Comissão Europeia se excedeu em sua autoridade.

A decisão da Comissão Europeia "reflete uma tentativa de se meter na base tributária dos Estados Unidos que deve ser imposta pelos Estados Unidos", disse o secretário do Tesouro, Jacob Lew.

Os Estados Unidos autorizaram suas companhias a guardar no exterior seus lucros e não os tributar até que fossem repatriados. Esse tesouro das multinacionais cresceu muito na última década.

Um relatório de julho da empresa americana Audit Analytics disse que as 1.000 maiores multinacionais dos Estados Unidos guardam no exterior o dobro do ano de 2008 e mais de 130 bilhões do que em 2014. As companhias alegam que para repatriar esse fundos esperam que Washington baixe os impostos, que atualmente são de até 35%.

Em 2004, Washington abriu uma "primavera fiscal" ao reduzir por um tempo a 5,25% o imposto para a repatriação de capitais e conseguiu que 300 bilhões voltassem aos Estados Unidos.

A meta dessa medida foi atrair capitais para estimular a criação de empregos. Mas estudos recentes mostraram que a maior parte desse dinheiro foi para as mãos de acionistas e executivos das multinacionais. "Lamentavelmente não há evidência de que os investimentos ou empregos tenham aumentado e isso custou bilhões de dólares aos contribuintes", escreveu o sub-secretário do Tesouro para Política Tributária, Michael Mundaca, em 2011.

Agora as multinacionais dizem estar abertas a pagar impostos nos Estados Unidos, mas não com as atuais taxas. "Os Estados Unidos deveriam reformar seu sistema tributário", disse à AFP Jenifer McCloskey, diretora do influente grupo Information Technology Industry Council.

Mas enquanto os lucros vão se acumulando no exterior, ativistas dizem que as empresas simplesmente estão esperando outra "primavera fiscal" e insistem que Washington modifique seu regime fiscal para deter a evasão sistemática.

"A Apple organizou metodicamente suas atividades na Irlanda somente com o objetivo de evadir impostos", disse Matt Gardner do Institute on Taxation and Economic Policy.

As autoridades americanas "deveriam pegar uma página do manual da Comissão Europeia e empreender uma campanha contra a desenfreada evasão fiscal corporativa", sustentou.

Howard Gleckman, do Tax Policy Center, disse que os europeus estão advertindo que a erosão do sistema tributário está indo muito longe. "Agora a terra sob o sistema está tremendo", declarou após a sentença contra a Apple.

"Ao obrigar os países integrantes a cobrar impostos das empresas americanas, a União Europeia rompe o ciclo de competência tributária que beneficia largamente as multinacionais dos Estados Unidos. Como efeito, está criando um novo imposto mínimo para as multinacionais", acrescentou.