[Artigo] - Limite de dados na internet fixa: um passo para trás das operadoras

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 12/04/2016 às 15:07
 Ilustração: Ronaldo/Editoria de Artes do JC
Ilustração: Ronaldo/Editoria de Artes do JC FOTO: Ilustração: Ronaldo/Editoria de Artes do JC

 Ilustração: Ronaldo/Editoria de Artes do JC Ilustração: Ronaldo/Editoria de Artes do JC

Não é de agora que as operadoras de internet de banda larga fixa falam em determinar um limite de consumo de dados para os usuários (a depender da velocidade contratada) e que, quando esse limite for atingido, o serviço será suspenso até o mês seguinte. A não ser que você contrate um pacote extra, como acontece com a internet móvel.

Eles dizem que isso é uma tendência mundial. E isso beneficiaria o usuário médio, que não consome tanto. Mentira. Sabe qual é a verdadeira tendência mundial? Todos nós consumiremos cada vez mais dados no futuro. A tendência mundial é a Internet das Coisas, onde tudo estará conectado.

Passou o tempo em que o chamado "usuário hardcore" baixava gigabytes de dados pelo torrent. Hoje, qualquer pessoa que curte assistir um episódio de sua série favorita na Netflix quando chega em casa do trabalho, consome - em média - 3 Gb por hora, se usar a resolução Full HD (Comum nas TVs modernas, ainda mais nas smarts). As TVs com 4K de resolução já estão ficando mais acessíveis - e mais conteúdo nessa qualidade está disponível. Sem falar em Youtube, Spotify e outros serviços por streaming.

Eu mesmo compro e recebo muitos jogos pelas plataformas digitais, tanto da Sony quanto da Microsoft. Um game da nova geração, como Quantum Break ou The Division, facilmente passam dos 40 Gb só para baixá-los e instalá-los no console - imaginem o quanto consomem para serem jogados online. Antigamente eu poderia ser considerado um usuário hardcore. Mas os parâmetros mudaram, e hoje me considero um usuário médio, que joga videogame e assiste filmes online.

O pessoal do Olho Vivo do JC conversou com algumas das entidades de proteção ao direito do consumidor. A Proteste entrou com ação civil pública. Para a coordenadora institucional da entidade, Maria Inês Dolci, "a web é um bem essencial hoje em dia. O Marco Civil afirma que o acesso só pode ser cortado em caso de débito”. Realmente está lá, no Capítulo II, artigo 7º: "O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos (...) não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização".

Para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ordem Econômica também são afetados. “Essas mudanças foram feitas pelas três principais empresas de telefonia do País, a Oi, Vivo e Net, sem justificativa técnica, solicitada pelo Código de Defesa do Consumidor. Não existe problema de congestionamento de dados. Além disso, limita a concorrência, porque o cliente fica sem opções. Esta semana vamos protocolar ação judicial”, relata o pesquisador em Telecomunicações do Idec, Rafael Zanatta.

Uma petição online do site Avaaz contra a limitação na banda larga fixa já reúne mais de 360 mil assinaturas. O pleito foi criado no dia 22 do último mês. O abaixo-assinado será encaminhado à Vivo, GVT, Oi, NET, Claro, Anatel e ao Ministério Publico Federal (MPF).

Não podemos esquecer também que quase todas as operadoras de banda larga fixa brasileiras também são provedoras de TV por assinatura, e possuem seus próprios serviços que concorrem com a Netflix, por exemplo. Nos EUA, uma das maiores operadoras de internet fez um acordo com o serviço de streaming para que o consumo lá não seja cobrado.

O Ibidem fez uma análise das consequências da adoção dessa limitação que aponta problemas ainda mais graves do que eu ficar sem internet antes do dia 20 do mês. De acordo com o texto, esse modelo de negócios "aumentará ainda mais a desigualdade entre quem tem condições e quem não tem". Quem estourar seu limite do mês e não tiver como comprar mais dados, será - em última estância - um excluído digital. Pesquisadores que trabalham com grandes bancos de dados podem ter dificuldade para continuar seus trabalhos. Ninguém vai querer baixar as atualizações de segurança dos seus aplicativos. Até quando um amigo seu pedir a senha do seu wi-fi, você vai ter que responder: "não vai dar, cara. Estou quase no meu limite esse mês".