Análise: Com ideias recauchutadas, Apple fica atrás na inovação

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 12/09/2015 às 11:19

Foto: AFP. Foto: AFP.

Li alguém escrever no Twitter momentos antes dos anúncios dos novos iPhones e iPad na última quarta: "a Apple vai fazer te fazer gastar um dinheiro que você não tem por algo que você já tem." A empresa, que tornou-se a marca mais valiosa do mundo por conta de seus produtos inovadores, surpreendeu ao mostrar produtos que não traziam praticamente nenhuma novidade.

O jogo publicitário, no entanto, continua afiado. A Apple segue fazendo com que os produtos sejam apresentados como algo novo, até revolucionário. Ainda que os novos modelos de iPhone, iPad e Apple TV tenham trazido melhorias significativas, as ditas novidades já se faziam presente no mercado há muito tempo. O maior trunfo da Apple segue sendo seu poder de gerar status social. Esse ativo é importante o suficiente para a empresa não empreender esforços em diminuir os preços de seus aparelhos.

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Em sua apresentação, o CEO Tim Cook disse que "o futuro da TV são os apps", esforçando-se para soar como um visionário. O que Cook não avisa à plateia é que esse futuro já chegou. Que o diga as TVs da Sony 4K munidas com sistema operacional Android e sua grande oferta de aplicativos.

E o que dizer dos sistemas operacionais do PlayStation e da Xbox, que já são usadas pelas pessoas como centrais multimídia? E temos a Roku, console de TV lançado no início deste ano que também tem um controle-joystick. "Ok, mas poderemos jogar com a Apple TV". Assim é também com a AndroidTV, que possui uma gama ampla de títulos.

iPhones chegam sem diferencial além da própria marca Apple. (AFP). iPhones chegam sem diferencial além da própria marca Apple. (AFP).

iPhones correm atrás

A impressão é que a Apple tenta disfarçar seu esforço em correr atrás dos concorrentes na corrida da inovação. Os novos iPhones 6S e 6S Plus não trazem nenhuma inovação que já não tenha sido testada pelo mercado. A maior mudança, o 3D Plus, que proporcionam novos tipos de toque na tela, foi apresentado pela primeira vez no smartphone Mate S, da Huawei. No entanto, tudo foi colocado como sendo a introdução de algo novo.

Com o grande alcance da Apple, hoje com cerca de 40% de participação de mercado, a tecnologia de reconhecimento de pressão dos toques, o 3D Touch pode se popularizar. Mas não é algo que modifica nossa relação com os celulares. Revolução mesmo fez Steve Jobs ao apresentar o iPhone em 2007. À época, a ideia de usar os multi-toques na tela e organizar tudo em aplicativos foi revolucionária. Tanto que tornou-se padrão no mercado até hoje.

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A partir de então, a Apple acabou sufocada por concorrentes de peso vindo de todos os lados. Marcas como Samsung, LG, Asus e Motorola possuem aparelhos que superam os iPhones em poder de hardware. E cada uma à sua maneira possui maneira de sangrar a rival ao seduzir usuários, seja diminuindo os preços de força agressiva, seja inundando o mercado com dezenas de modelos para todos os gostos e bolsos.

A Apple demorou muito para admitir algumas tendências do mercado e desejo dos usuários. Uma delas foi a tela grande. Apenas com o iPhone 6S vimos um modelo com mais de 5 polegadas. Agora seu terreno mais complicado diz respeito ao poder de memória interna. A Asus lançou recentemente o Zenfone 2 com 4GB de RAM. A Samsung fez o mesmo com o Galaxy S6 Edge+. Nos anúncios de quarta nem uma única palavra sobre essa especificação nos novos iPhones.

O mais provável: a Apple não deve ter aumentado bastante o seu poder de RAM. Há indícios que o novo iPad Pro tenha 4GB de RAM por conta de seu foco em produtividade e aplicativos de edição pesados. Fãs da Apple defendem que o iOS possui processos que não consomem tanta memória.

Divulgação. Divulgação.

4K para que(m)?

Uma das novidades da Apple foi a filmagem em 4K de sua câmera. Mas, diversos outros aparelhos já faziam o mesmo e ninguém ligou ao ponto da novidade soar "revolucionária". Por um motivo simples: não temos onde ver esses vídeos.

As TVs em 4K ainda são caras, mesmo com a queda de preço. O 4K é um padrão conhecido como Ultra HD, o que significa que sua qualidade é quatro vezes superior aos atuais 1080p. Fazer vídeos em 4K para ver no computador ou no próprio celular não traz nenhum impacto prático. Além disso, consomem muito espaço no armazenamento. E, como sabemos, a Apple não permite expandir a memória com cartões microSD.

O futuro da TV são apps, diz Tim Cook. (AFP). O futuro da TV são apps, diz Tim Cook. (AFP).

A reinvenção de mentirinha

O fato da Apple aparecer com uma "reinvenção" virou até motivo de piada. Desta vez a empresa apresentou um novo iPad Pro que parecia uma cópia mais descolada do Surface Pro, da Microsoft.

O famoso tablet tem um tamanho de tela maior (12,9 polegadas) e conta com um teclado que pode ser acoplado ao aparelho, batizado de Magic Keyboard. Em 2012, a Microsoft inovou com um periférico que fazia parte do seu dispositivo e que não dependia de conexões Bluetooth por usar sensores magnéticos. Ninguém prestou atenção da Microsoft à época e seu produto foi um fracasso do ponto de vista do marketing e vendas. O impopular Windows 8, em vigor à época, contribuiu para a antipatia do público.

A caneta stylus, apesar de útil em um tablet de tela grande, é outra recauchutada. Está por aí há anos, antes mesmo do surgimento do iPhone. Steve Jobs, já sabemos, odiava essas canetinhas. Mas isso não importa. O curioso é que as stylus já voltaram com tudo e são usadas em diversos aparelhos, até com preços mais baratos.

Tim Cook segura o novo iPad Pro: status. (AFP). Tim Cook segura o novo iPad Pro: status. (AFP).

O poder do status

A imagem da empresa sai prejudicada com tantas ideias velhas apresentadas como novas. Foi por conta de seu poder de inovação que a Apple chegou ao topo. Agora só pode contar com seu poder de conferir status aos donos de seus produtos.

A empresa ainda conta com outras vantagens menores, como o fato de possuir um sistema mais estável e seguro que Android e Windows Phone. Mas, do ponto de vista puramente técnico, não é um custo-benefício determinante.

Outras vantagens da Apple ainda incluem uma maior atenção à segurança, sendo menos vulneráveis à programas maliciosos. E, claro, poucas marcas possuem um design tão bonito e uma interface tão intuitiva e simples de manusear. O iPhone é, inconteste, um dos melhores smartphones do mercado. Mas o consumidor tem hoje boas opções que rivalizam com suas características.