Paraplégico com traje robótico vai dar o pontapé inicial da Copa do Mundo

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 10/06/2014 às 13:31

Feito será um marco para as tecnologias assistivas. (Foto: AFP). Feito será um marco para as tecnologias assistivas. (Foto: AFP).

A honra de dar o pontapé inicial na cerimônia de abertura da Copa do Mundo, na próxima quinta-feira, em São Paulo, caberá a um paraplégico que usará um traje robótico criado pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis.

Nicolelis, conhecido médico pesquisador de inovações aplicadas à saúde, chefiou uma equipe internacional de 156 pesquisadores para criar um exoesqueleto futurista, desenvolvido para permitir que vítimas de paralisia possam andar. Na próxima quinta-feira, na cerimônia de abertura da Copa do Mundo em São Paulo, um paraplégico cuja identidade tem sido mantida em sigilo, deixará para trás a cadeira de rodas para entrar no gramado usando o traje e dar o pontapé inicial do torneio.

Circuitos elétricos instalados nos "pés" do traje enviarão um sinal de retorno ao usuário através da pele artificial que cobrirá seu braço, transmitindo a sensação de movimento e contato. "É a primeira vez que um exoesqueleto é controlado por atividade cerebral e oferece 'feedback' aos pacientes", declarou à AFP Nicolelis, neurocientista da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA).

Traje robótico já foi testado em laboratório e foi um sucesso. (Foto: AFP). Traje robótico já foi testado em laboratório e foi um sucesso. (Foto: AFP).

"Fazer uma demonstração em um estádio é algo muito fora da nossa rotina na robótica. Nunca foi feito antes", prosseguiu o cientista. Sua voz mistura cansaço e animação diante da proximidade do apogeu espetacular de 30 anos de trabalho, mais de 200 artigos científicos e incontáveis testes clínicos.

Nicolelis deu os primeiros passos nesta direção em 1984, quando redigiu sua tese de doutorado sobre conexões neurais no controle muscular. Ele disse que a ideia de desenvolver o traje lhe ocorreu em 2002, quando os cientistas apenas começavam a explorar exoesqueletos robóticos.

"Em 2009, depois que soubemos que o Brasil sediaria a Copa do Mundo, eles me pediram ideias para mostrar o Brasil de uma forma diferente daquela que o mundo costuma vê-lo. Foi quando eu sugeri fazer uma demonstração científica para mostrar às pessoas que o Brasil está investindo e tem potencial humano para fazer coisas além do futebol", afirmou.

Nicolelis contou que ele e uma equipe com mais de 40 pessoas mal têm deixado o laboratório desde março, quando chegaram a São Paulo, para finalizar os preparativos da demonstração. Mas o sacrifício é compensador, afirmou, lembrando um momento, em 24 de abril, em que um usuário com paralisia deu os primeiros passos usando o exoesqueleto.

Eles batizaram o traje com o nome de BRA-Santos Dumont, uma combinação das três primeiras letras usadas para identificar o Brasil em competições esportivas e Alberto Santos Dumont, o pai da aviação brasileira.

https://www.youtube.com/watch?v=LO5pq1Qz334

Polêmicas científicas

Alguns cientistas criticaram Nicolelis por trocar as publicações acadêmicas pelos meios de comunicação de massa - ele publica atualizações de suas pesquisas no Facebook - e o anonimato do laboratório pelos holofotes da Copa do Mundo.

Os críticos também questionam a natureza prática de sua pesquisa e o acusaram de abocanhar uma parte injusta do orçamento de pesquisas do governo brasileiro. Mas Nicolelis rechaçou estas críticas.

"O financiamento é o mesmo, com ou sem Copa do Mundo. Nós recebemos US$ 14 milhões do governo brasileiro nos dois últimos anos. Isto é, aproximadamente, quatro ou cinco vezes menos do que o governo dos Estados Unidos investe em um braço mecânico", afirmou.

"Eu não vejo nada de errado em demonstrar para o mundo todo uma tecnologia que tem um objetivo humanitário e que foi pago pela sociedade civil", acrescentou. Mais de 65 mil pessoas testemunharão, na Arena Corinthians, em São Paulo, os primeiros passos de BRA-Santos Dumont em público, antes da partida inaugural da Copa, entre Brasil e Croácia. Cerca de um bilhão de telespectadores devem assistir ao feito pela TV. [Da AFP]