Lei de crimes virtuais ainda rende polêmica; ativistas protestam

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 24/08/2011 às 18:50
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Debatedores divergiram hoje sobre a necessidade de uma lei para punir crimes na internet durante o seminário “Segurança Digital e Cidadania”, promovido pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática sobre o PL 84/99, que tipifica os delitos cometidos pela rede. O evento foi proposto pelos deputados Luiza Erundina (PSB-SP), Sandro Alex (PPS-PR) e Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Para os chamados ativistas da internet livre, os crimes já podem ser punidos por meio da legislação atual. As informações são da Agência Câmara.

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Eles defendem que primeiro seja aprovado o anteprojeto de marco civil da internet, que estabelece direitos e deveres de usuários e provedores de acesso – o qual deve ser enviado pelo governo ao Congresso nos próximos dias. Para advogados, juristas e delegados, porém, a nova lei é necessária, na medida em que a legislação atual não abarca os chamados “crimes de alta tecnologia”. O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), Fernando Botelho, destacou que crimes comuns cometidos por meio da internet – contra a honra, pedofilia e “ilícitos matrimoniais”, por exemplo – não demandam nova legislação.

Porém, na visão de Botelho, a lei é necessária para criminalizar a invasão de sistema informatizado; a divulgação ou utilização indevida de informações e dados pessoais; a destruição ou deterioração de dado eletrônico alheio; a inserção ou a difusão de código malicioso (vírus); o estelionato eletrônico; o atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública; e o racismo eletrônico. Atualmente, “99% dos crimes comuns já recebem punição; já os crimes de alta tecnologia têm recebido muitas vezes absolvição por dúvida”, informou o desembargador. “Os tipos penais têm que ser precisos para que haja punição; é inaplicável a analogia”, complementou.

O coordenador do curso de direito digital da GVlaw, Renato Opice Blum, considera que 95% das condutas já podem ser punidas pela atual legislação. “Falta legislação para os 5% restantes”, ressaltou. Blum afirmou que a legislação já criminaliza a violação de sigilo funcional (uso de senha informática de outra pessoa), a pornografia infantil e a violação do direito autoral, por exemplo. Para ele, a lei é necessária para punir, por exemplo, ataques ao governo federal (crime de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública) e a divulgação de informações pessoais. “Quase 80% dos brasileiros temem que seus dados pessoais sejam acessados”, informou.

Senador Azeredo defende lei de cibercrimes

CRÍTICAS - Já o pesquisador Paulo Rená, mestre em direito, afirmou que a proposta está descolada da realidade, pois o número de incidentes na rede tem decrescido no Brasil. “Nenhuma pesquisa indica aumento de crimes cometidos da internet no País”, disse. Rená considera falsa a premissa de que é necessário novos tipos penais para punir crimes cometidos pela internet. “A Justiça tem julgado com base nos tipos penais existentes”, afirmou.

Protesto contra a lei

O pesquisador criticou ainda a redação do projeto. Por exemplo, em vez de “difusão de código malicioso em sistema informático”, como está na proposta, melhor seria escrever “difusão de vírus por meio de computador”. Para Rená, “a tipificação no projeto é vaga e pode abarcar outras condutas, causando sensação de insegurança nos internautas”. O presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), Omar Kaminski, também considera os tipos de pena “excessivamente abertos”, causando insegurança jurídica e desestímulo à inovação. Além disso, Kaminski disse que o termo “código malicioso” demandaria uma definição melhor no projeto.

O projeto foi aprovado pela Câmara em 2003, sofreu modificações no Senado, e agora a Câmara analisa o substitutivo do Senado à matéria. Kaminski defendeu a aprovação do marco civil da internet antes de uma lei penal. “Não devemos buscar a punição antes do estabelecimento dos ciberdireitos”, disse.