A CPI da Pandemia 'desbandeirou' Bolsonaro

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Publicado em 10/05/2021 às 16:30
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Desbandeirar é um verbo do Nordeste profundo. Significa dar um piti, rodar a baiana, no castiço vernáculo de Jair Bolsonaro. Ainda em seu início, ficou evidente que a CPI da Covid já desbandeirou o presidente da República.

Tanto que, apesar das limitações cognitivas, tinha ele motivos para tentar impedir, com manobras políticas e ações judiciais, a investigação dos senadores.

No primeiro depoimento, o de Luiz Henrique Mandetta, o ex-ministro da Saúde apresentou à comissão parlamentar cópia da carta que enviou a Bolsonaro em 28 de março de 2020 – um mês após o primeiro caso de covid no Brasil – na qual alerta: “Recomendamos, expressamente, que a Presidência da República reveja posicionamento adotado e acompanhe as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que adoção de medidas em sentido contrário pode gerar colapso do Sistema de Saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.

Um mês depois, Mandetta foi demitido por Bolsonaro.

Naquele momento, eram 2.000 os mortos pela pandemia.

Quando o ex-ministro depôs na CPI, os óbitos superavam os 420 mil. Em live, o presidente desbandeirou: não negou a existência da carta de alerta, que provou a sua incúria, mas acusou Mandetta de ser “um canalha”, incapaz de liderar o combate ao vírus.

O depoimento do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pouco ajudou para apascentar o piti de Bolsonaro.

Médico, de toda maneira Queiroga evitou responder, taxativamente, se a hidroxicloroquina curava a covid-19.

O medicamento, como se sabe, foi receitado pelo presidente aos seus seguidores. Seu depoimento foi tão ruim que será novamente convidado pela comissão.

O que vem pela frente arrisca transformar uma rodada de baiana de Bolsonaro em um furacão.

O presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, terá de confirmar se recebeu ordem do presidente da República para alterar a bula da hidroxicloroquina, de maneira que nela constasse a informação, falsa, de que o medicamento curava a covid-19.

No dia 19 de maio, perfila-se por fim, diante da CPI, o general Eduardo Pazuello, o terceiro e mais desastrado ministro da Saúde de Bolsonaro.

Entre seus feitos, o caos na aquisição e distribuição de vacinas, que hoje resulta no desabastecimento de dezenas de cidades, e o consequente aumento do número de infectados e mortos.

Sempre vale a regra: sabe-se quando uma CPI começa; não se sabe quando e como termina.

Até onde a investigação da covid irá?

Já existem avaliações de que será inevitável que chegue até Bolsonaro. Não será esquecida a célebre frase de Pazuello, quando no cargo: “Ele manda, eu obedeço”. Ou seja: tudo que o general fez e deixou de fazer é obra dos dois gigantes da administração pública.

Entre especialistas, não há unanimidade sobre o poder de uma CPI convocar um presidente da República para depor. Para a maioria, Bolsonaro pode apenas ser convidado, sem que seu comparecimento seja obrigatório. Caso a CPI insista em convocá-lo, ele poderá recorrer à Justiça para não comparecer e ser interrogado pelos senadores.

No entanto, mesmo que não se apresente à comissão, por convite ou convocação, Bolsonaro pode ser acusado de crime de responsabilidade, pelo que fez (ou não fez) diante do morticínio da pandemia: ataque às políticas de isolamento social e ao uso de máscaras; promoção de aglomerações; recusa à compra antecipada de vacinas; mitigado dos efeitos do vírus; e ofensas à honra e ao decoro do cargo. Se comprovado o crime de responsabilidade, tem-se o caminho para a abertura de um processo de impeachment.

Nesse jogo de alta tensão, o depoimento de Eduardo Pazuello é uma peça decisiva.

O presidente sabe disso e tentou de todas as formas evitá-lo. Conseguiu transferi-lo uma vez, alegando-se que o general tivera contatos com portadores de covid-19. Foi também sugerido que Pazuello comparecesse fardado, em tentativa hilária de intimidar os senadores.

Só falta agora requerer uma nova transferência pelo fato de o general ter de assumir, com urgência, o cargo de ministro da Saúde na Mongólia. Mas é bom não desbandeirar. Os mongóis, descendentes de Gengis Khan, são meio irritadiços.

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