Mandetta reafirma divergências com Bolsonaro e diz que presidente queria que Anvisa alterasse bula da cloroquina

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José Matheus Santos

Publicado em 04/05/2021 às 13:20
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Durante o depoimento da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid no Senado, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) disse que houve divergências entre ele o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a condução do enfrentamento da pandemia.

Ao ser questionado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL), Mandetta afirmou que todas as recomendações que fez durante a sua gestão no Ministério da Saúde foram baseadas na "ciência, na vida e na proteção".

"Todas as recomendações, as fiz com base na ciência, vida e proteção. As fiz em público, todas as manifestações de orientação dos boletins. As fiz nos conselhos de ministros, as fiz diretamente ao presidente, as fiz diretamente a todos os secretários estaduais, todos os secretários municipais, a todos aqueles que de alguma maneira tinham no seu escopo que se manifestar sobre o assunto sempre Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro", afirmou Mandetta.

Na sequência, Renan Calheiros tentou simplificar as justificativas de Mandetta, questionando diretamente se havia divergências com o presidente Bolsonaro.

"Então houve, permita-me simplificar, discordância com a sua posição com a do presidente da república?", indagou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid. Ao que Mandetta confirmou, dizendo que "sim", justificando que, assim como na vida pública assumiu compromissos com a prestação de serviços com a população, antes mesmo ele havia feito juramentos como médico a fim de proteger a saúde das pessoas.

Mandetta também disse lembrar que Bolsonaro falou que adotaria o chamado "confinamento vertical", com o isolamento apenas de pessoas do grupo de risco, algo que o Ministério da Saúde não recomendava.

Questionado se o Ministério da Saúde recomendou o uso da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para tratar o coronavírus e amplamente divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro, Mandetta respondeu: "Não, apenas para uso compassivo, inclusive após falar com o Conselho Federal de Medicina. Uso em pacientes graves, e a margem da segurança dela é estreita", disse.

"Ela é um medicamento que tem uma serie de reações adversas, e a automedicação com cloroquina poderia ser muito perigosa para as pessoas", afirmou Luiz Henrique Mandetta.

Logo no início, Renan questionou se Mandetta vê como adequada a orientação do Ministério da Saúde para que as pessoas só procurassem o sistema de saúde com sintomas graves. Mandetta afirmou que o intuito era apenas evitar aglomerações por suspeitas de viroses em hospitais, antes de haver transmissão comunitária no país, o que só foi registrado no final de março de 2020.

"Isso não é verdade. Não havia um caso no país. O que havia eram pessoas com sensação de insegurança, de pânico. Viam China, Itália com seu lockdown, e as pessoas procuravam hospitais com intuito de fazer testes: 99,9999% dos casos eram de outros vírus, e 0,0001% eram indefinidos. Só fizemos transmissão comunitária depois de 24 de março. Em um momento de viroses, a orientação para viroses é que observe a virose, que não vá ao hospital porque aglomera, porque se tiver um paciente ele vai contaminar na sala de espera. Eu tenho visto essa máxima ser repetida. É mais uma guerra de narrativa. Todas as orientações são para dar entrada pelo sistema de saúde", disse o ex-ministro.

Cloroquina

Entre as respostas dadas até o momento, o ex-ministro chegou a dizer que viu uma minuta de documento da Presidência da República para que a cloroquina tivesse na bula a indicação para Covid-19 e que o presidente Jair Bolsonaro parecia ouvir "outras fontes" que não o Ministério da Saúde.

Segundo Mandetta, o próprio diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discordou dessa medida. De acordo com Mandetta, o ministro "Jorge Ramos" minimizou a questão, dizendo que era apenas uma sugestão. Na época, o Planalto não tinha um ministro com esse nome, mas um chamado Jorge Oliveira, na Secretaria-Geral, e outro Luiz Eduardo Ramos, na Secretaria de Governo.

"O ministro da Saúde é um ministro que é convocado pelo presidente para conversar, prestar suas explicações. Estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado que era para subir, porque tinha uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio cloroquina, que eu nunca havia conhecido. Ele [Bolsonaro] tinha uma assessoramento paralelo. Nesse dia, havia na mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para coronavírus. Foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, Barras Torres, que estava lá, que disse não. O ministro Jorge Ramos disse: isso não é da lavra daqui. Mas é uma sugestão de alguém. Alguém pensou, se deu ao trabalho de colocar aquilo em formato de decreto", disse Mandetta.

Mandetta também criticou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), fllho do presidente, presente em algumas reuniões.

"Vi várias reuniões de ministros em que o filho do presidente, que é verador, sentava atrás tomando notas da reunião", disse Mandetta.

Mandetta foi enfático quando perguntado se, enquanto estava no cargo, alguma empresa ou entidade apresentou perspectivas de vacinas. Mandetta disse que não, mas que se houvesse vacinas à época iria atrás delas como um prato de comida.

"Naquele momento tínhamos uma lista de iniciativas. Nós torcíamos, nós sabíamos que, quando há vírus, a humanidade enfrenta com vacina, desde a varíola. Mas estavam ou na concepção de fórmula, ou testando em laboratório com ratos", disse o ex-ministro. Ele afirmou ainda que, se houvesse vacinas, teria ido atrás: "Teria ido atrás delas como atrás de um prato de comida".

Renan também questionou se a ordem do presidente Jair Bolsonaro para o laboratório do Exército aumentar a produção de cloroquina tinha partido do Ministério da Saúde, Mandetta disse que não.

"A única coisa que o Ministério da saúde fez, após consulta ao Conselho Federal de Medicina e conselheiros do ministério, era para o uso compassivo, quando não há outro recurso terapêutico. É um medicamento que tem uma série de reações adversas, uma série de cuidados que tem que ser vistos", disse Mandetta.

Segundo ele, havia quantidade suficiente do remédio no Brasil. "A cloroquina nos é produzida regularmente para o uso que convém, para malária, lúpus, pela Fiocruz, e tínhamos a quantidade necessária para isso".

"Orientações paralelas"

Mandetta disse que Bolsonaro não deu nenhuma orientação ao ouvir a previsão do Ministério da Saúde, no início da pandemia, de que o país poderia chegar a 180 mil mortes. Atualmente, o Brasil ultrapassa 400 mil óbitos decorrentes da doença.

"Não. Ficou aquilo como 'existem outras pessoas que também falam outras coisas', enfim. Não foi aquilo que foi capaz de unir", respondeu Mandetta ao ser indagado se Bolsonaro fez alguma recomendação ao ouvir a previsão inicial da Saúde.

O ex-ministro disse que Bolsonaro parecia ter outra fonte de informação paralela, fora do Ministério da Saúde. E citou que o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (RJ), costumava acompanhar reuniões ministeriais e tomar notas.

"Me lembro do presidente sempre questionar a questão da cloroquina como válvula de tratamento precoce, embora sem evidência precoce, lembro de ele falar do isolamento vertical. Ele tinha outra, não saberia dizer, outra fonte que dava para ele. Do Ministério da Saúde nunca houve orientação de coisas que não eram da cartilha".

Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sobre se o Ministério da Saúde foi pressionando pelo presidente Jair Bolsonaro a contrariar recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mandetta disse que não.

"Ele foi publicamente confrontado e isso dava uma informação dúbia à sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, o presidente dava outra informação".

Sobre a relação com Bolsonaro, Mandetta disse que o presidente inicialmente compreendia as informações, mas poucos dias depois mudava de ideia. Segundo o ex-ministro, era uma "relação dúbia".

Todos os filhos do presidente

Mandetta relatou dificuldades com os filhos de Bolsonaro para conseguir um bom diálogo com a China.

"Eu tinha um Ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito, porque eu era dependente de insumos que estavam na China, que tinha que trazer para o Brasil. Então era mais do que necessário ter um bom diálogo com a China. Então eu tinha dificuldade com o ministro de Relações Exteriores [Ernesto Araújo, que deixou o cargo em 2021]. O outro filho do presidente que é deputado, Eduardo, tinha rotas de colisão com a China, através de Twitter, mal-estar. Eu fui até um certo dia ao Planalto, eles estavam todos lá, os três filhos [o vereador Carlos, o deputado Eduardo o senador Flávio] do presidente, e mais assessores, que são assessores de comunicação. Disse a eles: eu preciso conversar com o embaixador da China, preciso que eles nos ajude, pedi uma reunião com ele, posso trazer aqui? "Não, aqui não." Acabei fazendo por telefone", explicou Mandetta.

O senador Randolfe Rodrigues perguntou então se havia uma oposição a qualquer diálogo com a China. Mandetta respondeu:

"Existia uma dificuldade de superar essas questões".

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