Câmara do Recife prioriza temas sem ligação com pandemia em 2021 e vira alvo do MPPE para reduzir cargos comissionados

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José Matheus Santos

Publicado em 23/04/2021 às 16:00
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Atualizada às 18h33 de 23 de abril de 2021

Com uma previsão orçamentária de R$ 158 milhões em 2021 e com uma reserva financeira de R$ 49 milhões no início de abril, a Câmara de Vereadores do Recife teve, em quase três meses, 132 projetos de lei ordinária discutidos no plenário e nas comissões da Casa.

Apesar do número alto, a maioria é de propostas de datas comemorativas, campanhas de conscientização e alterações de nomes de rua, por exemplo.

As propostas ligadas diretamente às consequências da pandemia de covid-19 são minoria, aproximadamente 25 do total.

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Conforme revelou o Blog de Jamildo na semana passada, o Diário Oficial de 14 de abril divulgou o balancete financeiro da Câmara de Vereadores do Recife do mês de março de 2021. Segundo o documento oficial, a Câmara do Recife terminou o março deste ano com R$ 49 milhões em caixa, mesmo após pagar todas as suas despesas.

O valor “sobrou” no caixa dos vereadores, mesmo após efetuarem todas as despesas orçamentárias de R$ 12 milhões em março.

Segundo uma fonte no órgão, sob reserva, a Câmara “não quis” usar este dinheiro para ajudar a população no enfrentamento do coronavírus.

“Espanta que a Câmara tenha este dinheiro em caixa e não tenha feito nenhuma ação para ajuda nos problemas do coronavírus na cidade. Com o fechamento das sessões presenciais, houve um salto na economia com recursos de custeio, surpreendendo que a Câmara tenha R$ 49 milhões em caixa”, explica uma fonte do blog, na ocasião.

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Segundo vereadores, sob reserva de fonte, a Câmara Municipal tem “economizado” para comprar uma nova sede, que dê “conforto” aos vereadores e assessores.

Entre as proposições de datas comemorativas de 2021, por exemplo, está a que institui o Dia do Católico, Dia dos Veteranos da Polícia Militar de Pernambuco e o Dia do Patinador no município. Patinador, isto mesmo que você leu.

As propostas constam no site oficial da Câmara de Vereadores do Recife.

Um projeto de lei ordinária pode ser apresentado pelos vereadores. Em seguida, após discussão e deliberação do plenário, segue para sanção ou veto do prefeito do Recife, no caso, agora, João Campos (PSB).

Outras propostas em tramitação na Câmara em 2021 são os eventos e as campanhas de conscientização em um determinado período na cidade. Neste ano, foi proposta, por exemplo, a instituição no calendário oficial de eventos sobre o Dia Municipal da Agroecologia Urbana.

Nomes de ruas, como a proposta de mudança da Rua Sete de Setembro, no Centro do Recife, para que se torne Rua Livreiro Tarcísio Pereira, um ícone do mercado de leitura da cidade, falecido neste ano, também estão entre os projetos predominantes no Parlamento Municipal. Esta proposta é da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB).

As pautas ligadas à covid-19 são minoria nos projetos da Câmara de Vereadores do Recife.

Neste ano, por exemplo, foi aprovada a proposta sobre a obrigatoriedade para farmácias aceitarem cópias de prescrições de medicamentos durante a pandemia do coronavírus para a venda de medicamentos controlados, o que é considerado vital por profissionais do setor de saúde.

A essencialidade de serviços, também ligada à pandemia, é discutida na Câmara de Vereadores. Um dos exemplos são as ações de solidariedade, que têm projeto de lei da vereadora Ana Lúcia (Republicanos), para se tornarem atividades consideradas essenciais. A proposta tramita em comissões da Casa.

Outro ponto que tem projetos dos parlamentares é a fila de prioridades na vacinação.

Dois projetos distintos querem a inclusão de grávidas ou puérperas e de motoristas de ônibus e de transporte por aplicativo no grupo prioritário. As propostas são de autoria da bancada do PSOL (Dani Portela e Ivan Moraes) e do vereador Chico Kiko (PP).

Caixa

Apesar da discussão sobre temas peculiares à pandemia, os assuntos que dominam a pauta do plenário em 2021 não são temas diretamente ligados à pandemia do coronavírus. Mesmo assim, a Câmara do Recife afirmou, na semana passada, que “destinou todo o valor das emendas parlamentares, R$ 8 milhões de reais, no ano passado, para contribuir com a Prefeitura da Cidade nas ações de combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus. Também revogou o aumento salarial dos servidores, conforme recomendação conjunta do Ministério Público de Contas do Estado e do Tribunal de Contas do Estado”.

Na ocasião da revelação pelo Blog de Jamildo sobre o valor em caixa, a Câmara informou que “sobre o valor do fundo especial para aquisição de uma nova sede, é preciso ser publicado para informar à população, aos parlamentares e aos órgãos competentes na fiscalização dos recursos públicos onde estão todos os recursos”.

“Atualmente, o saldo do fundo é do valor de R$ 42.834.641,19 e, conforme foi dito acima, este valor é garantido por lei apenas para aquisição de uma nova sede para o Poder Legislativo. Mas, no balancete mensal divulgado, constam ainda o saldo para as despesas correntes que é de R$ 4.668.284,27 e o saldo das consignações que é de R$ 1.772.584,91”, disse na ocasião.

No Orçamento de 2021 destinado à Câmara, as maiores quedas em relação a 2020 estão justamente em itens ligados diretamente às atividades dos parlamentares, como Desenvolvimento de Atividades Legislativas e Apoio Administrativo às Ações da Câmara.

Esses dois tópicos incluem, por exemplo, salários de servidores, passagens com locomoção, locação de mão de obra, obras e instalações, diárias, serviços de tecnologia, entre outros.

No quesito de Desenvolvimento de Atividades Legislativas, o montante anual passou de R$ 35,2 milhões em 2020 para R$ 32 mi em 2021, retornando a patamar de 2019, anterior ao ano eleitoral, que teve, neste aspecto, despesa de R$ 32,1 milhões.

MPPE mira cargos comissionados

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) dialoga com a Câmara de Vereadores do Recife para que haja ajustes na proporção de cargos comissionados para os servidores efetivos na Casa. O responsável pela interlocução com a Câmara é o promotor Hodir Guerra.

"Instaurei um procedimento para apurar a quantidade de cargos comissionados na Câmara, hoje a gente tem uma relação aproximada de 8 a 9 cargos comissionados para 1 cargo efetivo como um todo na estrutura da Câmara. É uma proporção de quase 9 comissionados para 1 efetivo”, afirma o promotor.

O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) também mira a instalação de frequência e controle de produtividade dos servidores da Câmara Municipal, tanto efetivos quanto comissionados.

“Hoje a Câmara não dispõe de nada que regulamente a frequência e produtividade dos servidores”, frisa o promotor.

O MPPE diz que a ideia inicial é dialogar com a Câmara de Vereadores para que seja feito um pacto, sem necessidade de judicialização.

Hodir Guerra teve uma reunião há dois meses com o presidente da Câmara, vereador Romerinho Jatobá (PSB), para acordar um prazo de 60 dias para apresentação de um plano de redução dos cargos comissionados.

O retorno da proposta deverá ser apresentado em encontro na próxima semana.

O promotor Hodir Guerra convidou o Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO-PE) para participar das tratativas, que visam a uma solução pacífica entre as partes envolvidas na negociação para ajustes nos cargos na Câmara.

O objetivo do Ministério Público de Pernambuco, segundo o promotor Hodir Guerra, é seguir uma orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) pela busca da proporcionalidade entre cargos comissionados e efetivos.

Para ele, a busca pelo equilíbrio pode ajudar a Câmara do Recife a ter mais efetividade nos trabalhos e mais independência de grupos políticos.

"Existe uma orientação do STF para que haja uma proporcionalidade entre comissionados e efetivos. Isso vai ajudar porque eles vão ter que correr atrás em transformar cargos comissionados em efetivos e, sendo efetivos, essas pessoas só poderiam ingressar através de concurso público. Na medida que temos mais cargos efetivos, são cargos que não estão afetos a determinados grupos políticos. A ideia do serviço público é justamente isso, estar a serviço da sociedade independente de grupos políticos", afirma.

"E a gente diminuiria também o número de denúncias que chegam envolvendo a frequência”, acrescenta.

A orientação do STF diz que “o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar”.

De acordo com o promotor Hodir Guerra, o presidente da Câmara, Romerinho Jatobá, teria dito na reunião que cada vereador atualmente faz o controle dos comissionados dos respectivos gabinetes por meio de uma ata de frequência.

Além disso, existem aqueles servidores que atuam fora da Câmara, conforme a legislação permite, entretanto, o MPPE quer mais rigidez no controle da frequência de trabalho.

"(Essa mudança) Melhoraria a imagem da Câmara perante a sociedade e em produtividade. Quando a gente tem meta, como MPPE e TCE têm, por exemplo, fica melhor. A Câmara de Vereadores também tem função de controle, então nada melhor do que a Câmara, um órgão de fiscalização, ter metas”, frisa Hodir Guerra.

Segundo apurou a reportagem, a Câmara do Recife tem cerca de 1 mil servidores, com cerca de 800 sendo comissionados. Cada vereador tem em média 18 indicações para cargos em comissão.

O MPPE, caso não consiga fechar um acordo, o que é a prioridade inicial nas tratativas com a Câmara, pretende judicializar a questão. Mas a princípio a meta é fazer como em Santa Catarina, onde a Assembleia Legislativa apresentou uma proposta de redução para diminuir ao longo de toda a legislatura, que dura quatro anos.

Benefícios dos vereadores

No caso dos vereadores, o valor do salário é R$ 18.980,00. Há ainda três benefícios, que estão com valores congelados desde 2009.

O Auxílio-combustível é de R$ 2.300,00 por mês e é destinado ao abastecimento de seis veículos por gabinete.

O ticket-alimentação, também fornecido via cartão mensal, é R$ 3.095,86.

Por fim, a verba indenizatória mensal é de até R$ 4.600,00. Este valor é usado para manutenção do gabinete com material, aluguel de imóvel para escritório do parlamentar, entre outros itens do mandato.

O vereador é reembolsado após comprovar os gastos através de notas fiscais.

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