Bolsonaro Kid, o rei do gatilho. Por Ricardo Leitão

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jamildo

Publicado em 22/04/2021 às 13:00
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Como o número de assassinatos no Brasil se aproxima de zero e as quadrilhas de traficantes agora distribuem rosas nas favelas, Jair Bolsonaro concluiu que chegara a hora de demonstrar, mais uma vez, o seu apreço pela segurança pública: com pompa, assinou decretos ampliando o direito de civis comprarem e portarem mais armas, incluindo as de uso restrito das Forças Armadas.

Os efeitos do corajoso ato pela paz só não foram imediatamente desastrosos porque, um dia antes da vigência dos decretos, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, sacou a sua caneta e reduziu os danos. Com um parecer de 88 páginas, ela suspendeu a vigência de 13 artigos dos dois decretos, até que o plenário do STF analise sua decisão. Entre os artigos com a vigência temporariamente suspensa há coisas como a retirada das Forças Armadas e da Polícia Federal da fiscalização da compra e porte de armas; liberação da aquisição de munição de grosso calibre e direito de adolescentes, a partir de 14 anos, se inscreverem em clubes de tiro ao alvo.

A liberação ampla da compra e porte de armas de fogo foi um dos compromissos de Bolsonaro na campanha presidencial. Já em abril de 2020 o presidente revogou três portarias do Exército com regras mais rígidas para marcação, controle e rastreamento de armas e munições. O Comando do Exército informou que iria editar novas portarias, o que até agora não aconteceu. Os decretos de agora atendem a chamada “bancada da bala”, formada por ex-policiais que dão apoio ao presidente na Câmara dos Deputados. Seus líderes anteciparam que, caso o plenário do Supremo confirme o parecer da ministra Rosa Weber, vão apresentar projeto de lei restaurando todos os 13 artigos suspensos. Querem bala e para tanto contam com o presidente da República.

Bolsonaro, sua bancada e os aúlicos acreditam que as armas nas mãos de civis vão “assegurar a defesa da liberdade dos brasileiros”, como sustentam os decretos. Governos de países civilizados afirmam o contrário, contudo isso não tem importância. Como também não tem importância a informação de que, desde o início da gestão de Sua Excelência, os crimes violentos cresceram de 41.730 em 2019 para 43.892 em 2020, um salto de 2.162 mortes depois de dois anos consecutivos de queda. Em 70% dos assassinatos foram usadas armas de fogo.

Com mais armas em circulação não há dúvidas de que o morticínio vai aumentar, empurrado pelo crescimento dos homicídios, feminicídios e sequestros; do crime organizado e das milícias, vitimando principalmente os jovens negros e pobres. São eles a maioria dos 862.000 apenados do Brasil, a terceira maior população carcerária do mundo. Quantos milhares desses apenados irão se ressocializar e quantos irão reforçar as quadrilhas de criminosos? Impossível prever. No entanto, a experiência mostra que, nesse embate, a ressocialização vem perdendo.

Não bastasse, os decretos de Bolsonaro ferem princípios constitucionais. Em primeiro lugar, é do Estado o monopólio da violência legal em todo o território legal sob a sua tutela. Em segundo lugar, o armamento da população conflitua com os direitos e deveres constitucionais das Forças Armadas, garantidoras da integridade do território nacional. Por fim, mais armas nas mãos da população, para “defesa da liberdade”, pode resultar em risco de confrontos, em um quadro de radicalização política como o brasileiro.

Lamentavelmente, talvez sejam observações muito sofisticadas para a mente belicosa do presidente da República. Quem sabe o astrólogo Olavo de Carvalho possa ajudá-lo, na condição de mentor espiritual. O problema é a fixação de Bolsonaro na eleição presidencial do próximo ano. Se mais armas garantirem mais votos, haverá mais armas. Feridos, sequelados e mortos serão apenas um dado estatístico colateral.

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