A CPI do Pandemicídio

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Publicado em 15/04/2021 às 21:45
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Estima-se em uma centena os doentes com covid-19 que morreram asfixiados por falta de oxigênio medicinal, em UTIs de hospitais do Amazonas. Uma tragédia de repercussão mundial. Alertado a tempo, o Ministério da Saúde, no lugar de cilindros de oxigênio, despachou para Manaus milhares de comprimidos de cloroquina, remédio comprovadamente ineficaz no combate ao vírus.

Na falta de melhor bode expiatório, Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, um especialista em logística que desconhecia a capilaridade do SUS. Evidentemente, o caos permaneceu e logo os cilindros de oxigênio começaram a faltar em 1.150 cidades, incluindo capitais. Também começaram a faltar vacinas, resultado da incompetência do governo federal em antecipar contratos com fornecedores internacionais. Quando os procurou, outros países já haviam tomado a frente.

Resultado: em três meses, o Brasil sequer vacinou 12% de sua população. Continuam a morrer cerca de 3.500 pessoas por dia, quase o total de brasileiros que nascem a cada 24 horas, e permanecem valendo as previsões de que os infectados serão 15 milhões até dezembro e, entre eles, 500 mil morrerão.

Mais de uma vez a Organização Mundial de Saúde emitiu alertas para o chamado “risco Brasil”, por considerar o país epicentro da pandemia. Em todas as regiões, os doentes estão morrendo em casa, dentro de ambulâncias ou em corredores de hospitais lotados. Alguns de mais sorte são intubados em leitos de UTIs improvisadas, atendidos por médicos e enfermeiros à beira da exaustão.

Os que conseguem um leito mais equipado talvez nem recebam a intubação que pode salvar vidas: começaram a rarear as drogas que viabilizam os procedimentos. Em muitos casos, os doentes estão sendo amarrados no leito para que, desesperados, não arranquem o tubo de oxigênio, enfiado na garganta, que lhes sufoca. No relato das equipes médicas, um quadro diário de horror e desumanidade.

Como reage Sua Excelência, o presidente da República Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército, investigado por planejar ato terrorista de extrema direita, diante da maior tragédia sanitária do Brasil em cem anos? De início, com negacionismo (“É só uma gripezinha”); depois, com desrespeito aos mortos (“E daí, não sou coveiro”); em seguida, receitando remédios ineficazes e, por fim, confrontando cientistas e governadores que passaram a exigir ações do governo federal contra a pandemia.

A resposta de Bolsonaro foi continuar aparecendo em eventos públicos sem máscara, providência básica entre as medidas de contenção da covid-19. Também afirmou que o distanciamento social era causa de retração da economia e que, se necessário, recorreria às Forças Armadas para assegurar o direito do comércio de retomar seus negócios.

Duas motivações explicariam o comportamento pro-vírus do presidente da República: uma de ordem político-eleitoral e a outra decorrente da formação da sua personalidade. No primeiro caso, a tentativa permanente de Bolsonaro de jogar, no colo dos governadores, a responsabilidade pelo seu fracasso no enfrentamento da pandemia. Não seria um problema dele, mas dos gestores estaduais, entre os quais enxerga adversários na disputa presidencial de 2022 – como João Doria, governador de São Paulo.

A formação da personalidade de Sua Excelência é algo mais complexo. Para os que estudam os desvãos da mente, há traços psicóticos em Bolsonaro, como ausência do sentimento de piedade, de remorso e de arrependimento; falta de empatia com a dor alheia; agressividade e rancor; tendência de colocar a própria vontade e a própria autoridade acima das leis e da justiça.


Sucessivos episódios protagonizados pelo presidente da República nesses conturbados dois anos e três meses de governo refletem uma personalidade com os traços acima descritos. São distúrbios que, de princípio, o impediriam de governar o Brasil, notadamente em uma conjuntura, como a que o país atravessa, marcada por crises simultâneas na saúde, na economia, na política e nas Forças Armadas.

A sanidade mental de Bolsonaro é um dos assuntos que permeiam a necessária e intransferível CPI do Pandemicídio, instrumento democrático de investigação dos poderes da República. É dever saber se uma eventual insanidade do presidente da República interferiu em ações e omissões no combate ao vírus.

O morticínio sem paralelo exige que os fatos sejam esclarecidos, responsabilidades definidas e culpados identificados. É o mínimo que merecem os milhões de infectados, sequelados e mortos; suas famílias, parentes e amigos; todos nós, vítimas de uma tragédia que nos marcará, por gerações, como uma indelével tatuagem.

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