A variante B do vírus. Por Ricardo Leitão

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Blog de Jamildo

Publicado em 28/03/2021 às 7:40
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao Blog

Depois de um ano de pandemia; 307 mil mortes e 12,4 milhões de infectados; colapso nos hospitais, funerárias e cemitérios; descoordenação; panelaços; confrontos com governadores e ameaças a jornalistas; nomeação de quatro ministros da Saúde e caos na vacinação, Jair Bolsonaro teve uma ideia: criar uma comissão para enfrentamento da covid-19, integrada por políticos e especialistas de fora do governo. O grupo terá encontros semanais, com o objetivo de propor e avaliar ações do Ministério da Saúde.

A ideia foi lançada em um dia ruim, quando o país registrou o número recorde de 3.158 mortos pelo vírus e a disponibilidade de oxigênio hospitalar atingiu nível crítico em 13 estados. Logo em seguida, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviou ofício ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, solicitando denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra o presidente, por crimes cometidos durante e em decorrência do pandemicídio.

O recorde de mortes e a iniciativa da OAB arranham Bolsonaro mas não comprometem a manobra plantada com a comissão de especialistas: ter um grupo de notáveis sobre quem poderá lançar responsabilidades, caso o vírus não ceda. Missão que também caberá ao novo ministro da Saúde, escolhido para o cargo por sua obediência.

Agindo assim, o presidente em nada contribui para o controle da pandemia no Brasil. Do contrário: atua como se fosse uma nova variante da covid-19, tão infectante e mortal quanto a variante que surgiu no Amazonas, se espalhou pelo Brasil e tirou a vida de milhares de pessoas. A variante B, de Bolsonaro.

Os sucessivos recordes de mortes parecem não alarmar o presidente. O país já acumula 10% dos óbitos notificados em todo o mundo, tendo apenas 3% da população global. Na semana passada o quadro piorou e o Brasil foi então responsável por 20% das mortes pelo vírus no planeta. Nem a médio prazo, com a nova comissão e o novo ministro, há perspectiva de a situação melhorar. Debruçados nas projeções estatísticas, infectologistas acreditam que o número de óbitos pela pandemia chegará a 500 mil, em dezembro.

O melhor e mais rápido caminho para ao menos reduzir essa tragédia é a vacinação em massa. Calculam os especialistas que seria necessário imunizar 70% da população para se atingir o bloqueio coletivo do vírus, a chamada “imunidade de rebanho”. Como grande parte das vacinas só são efetivas com duas doses, seriam necessárias 300 milhões de doses para se chegar ao objetivo.

No entanto, o Brasil não tem contratos firmados para a compra e importação imediata de 300 milhões de doses, nem produção interna para atender parte expressiva dessa demanda. O governo diz ter garantido a entrega de 560 milhões de doses até o fim do ano, junto a seis laboratórios internacionais e à Organização Mundial da Saúde. Mas são promessas de venda, não contratos.

De qualquer forma, mostra “compromisso com uma solução” para a pandemia no mundo da fantasia. No mundo real, a variante B dedica seus esforços e atenções ao que de fato lhe move: a reeleição em 2022. Essa falta de empatia, desprezo pela vida dos outros e ausência de remorso seriam características de uma personalidade antissocial, sintetizada na célebre frase: “E daí?” – dita por Bolsonaro quando informado de que o vírus já matara 100 mil brasileiros.

Apesar da empáfia, o presidente tem muito medo do descontrole crescente da pandemia. Mais do que o desemprego e a crise econômica, a tragédia sanitária e humanitária se tornou o maior obstáculo à sua reeleição e motivo de isolamento internacional do Brasil. Os milhares de mortos e milhões de infectados puxam para baixo os índices de aprovação do governo e acendem luzes de alerta em sua base conservadora no Congresso.

Como se sabe, tal base denomina-se Centrão, um agregado parlamentar que se notabiliza pela voracidade por verbas públicas e pavor de governos impopulares. Assustados com a caótica gestão de Bolsonaro, os líderes do Centrão já sinalizaram que podem pular para outro barco.

O presidente se mobiliza para evitar o salto. A base conservadora no Congresso é essencial para que, a partir dela, ele reorganize a direita em torno da sua reeleição. Por outro lado, a comissão contra a covid-19 irá assegurar a máscara de herói contra a pandemia. A variante B passaria então a ser coisa do passado e motivo de boas gargalhadas de Jair Bolsonaro e dos batalhões de vírus.

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