1 ano de covid-19 no Recife: Geraldo Julio fez defesa de restrições e distanciamento, enquanto João Campos evita assuntos e explora vacinação

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José Matheus Santos

Publicado em 12/03/2021 às 15:20
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A pandemia de covid-19 completou um ano no Recife nesta sexta-feira (12). Em 12 de março de 2020, foram confirmados os dois primeiros casos da doença na cidade, em viajantes advindos da Itália, primeiro país do Ocidente a ser epicentro do vírus. De lá para cá, muito mudou. O Brasil agora passou a ser o epicentro de contágio e vive o pior momento no período pandêmico.

No Recife, por sua vez, foram 3.134 mortes por covid-19 até esta quinta-feira (11), o maior número entre as cidades de Pernambuco. A capital já teve mais de 76,6 mil infectados pelo coronavírus.

Em um ano de pandemia, duas gestões estiveram à frente do enfrentamento ao coronavírus no Recife. Por cerca de dez meses, a gestão de Geraldo Julio (PSB), e, atualmente e desde janeiro de 2021, a do prefeito João Campos, também do PSB.

As duas gestões vivem ou viveram, em cada ciclo, momentos críticos da pandemia. No caso do período de Geraldo, o pior momento foi em maio de 2020. Na semana de 10 a 16 de maio na cidade, foram 305 óbitos por covid. A situação foi crítica, assim como em todo o país.

Avenida Conde da Boa Vista, no Recife, durante o isolamento social. Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem

Ainda assim, o então prefeito Geraldo Julio adotou estratégias de prevenção. Ainda antes do pior momento no período em que governava, adotou restrições no Recife, em março, com a suspenção de aulas nas escolas, inicialmente por 15 dias, e a antecipação das férias escolares. Além disso, proibiu eventos na cidade. Dias depois, o governador Paulo Câmara anunciou medidas semelhantes no Estado e endureceu as restrições para atividades consideradas não essenciais.

Quando não adotou as restrições por conta própria, Geraldo Julio foi a público defender o distanciamento social, o uso de máscaras e as restrições adotadas pelo Governo de Pernambuco. Atualmente, o prefeito João Campos tem evitado abordar essa temática. Em uma fala discreta, chegou a defender, no dia 05 de março de 2021, as novas restrições adotadas pelo Estado.

Por outro lado, com a vacinação em curso no país em 2021, João Campos tenta capitalizar a temática da vacinação. O prefeito recifense estabeleceu um canal de diálogo aberto com a população, por meio das redes sociais, em que anuncia os novos grupos alvo da imunização e incentiva a população a se vacinar.

Apesar de reforçar a importância da vacinação em massa como proteção para o coronavírus, especialistas apontam que, na situação crítica em que o país está, é preciso ir além e defender também medidas de prevenção à covid-19.

"Excelente. É interessante que João venha com essa estratégia de vir a público e falar quem deve se vacinar e qual público. Mas ao mesmo tempo acho que falta falar sobre a situação da pandemia, fala-se muito sobre vacina, e muito pouco sobre a gravidade que a gente está. Na gravidade que a gente está e com a quantidade de vacina que a gente tem, não é a vacina que vai tirar a gente dessa situação ainda para reduzir a taxa de transmissão, a ocupação hospitalar e reduzir mortalidade. Defendo que ele continue a fazer isso, isso é fundamental, mas que ele use dessas redes sociais para falar da gravidade da pandemia", afirma o médico infectologista Bruno Ishigami.

"É importante, ele que fala bem e que tem um canal aberto com a população, bater na necessidade das medidas restritivas e de isolamento serem necessárias, como evitar bares e restaurantes, isso é necessário nesse momento", defende Bruno.

Para a cientista política Priscila Lapa, o prefeito João Campos preferiu adotar um caminho de criar uma agenda positiva em torno da pandemia, no caso com o assunto da vacinação em constante evidência.

"É muito claro que João Campos preferiu adotar um caminho de criar uma agenda positiva em torno da pandemia. Apesar de reconhecer a gravidade, tem tido uma postura responsável nesse sentido, ele tem sido menos duro, menos contundente em relação a essas questões. E tem muito a ver com isso eu acho, um perfil de quem está iniciando uma gestão, embalado por um sentimento de vitória eleitoral fresquinha diferente de quem está encerrando o mandato e vai ser lembrado muito mais pelo fim do que pelo início do mandato", avalia Priscila.

Geraldo Julio, Paulo Câmara e João Campos. Foto: Hélia Scheppa/Governo de Pernambuco

A ocupação de leitos de UTI está em 95% em Pernambuco, onde o Governo do Estado já decretou novas restrições a atividades não essenciais, proibidas de funcionar entre 20h e 5h nos dias úteis e em todo o dia nos sábados e domingos. O Brasil está com iminências de colapsos ou colapsos em diversos estados.

Em março de 2021, o Brasil parece reviver 2020. Entretanto, a situação é ainda mais crítica no país, com a maioria das capitais com taxas de ocupação de leitos de UTI (terapia intensiva) para covid-19 acima de 80% e com mais de 22 estados com alta nos indicadores de mortes pela doença.

Na semana epidemiológica de 28 de fevereiro a 06 de março, o Recife registrou 25 mortes por covid-19. Mas os indicadores apontam a tendência de piora na cidade e em diversas localidades de Pernambuco e do Brasil, que vive o pior momento da pandemia, com a média móvel de mortes acima de 1.500 por dia.

O médico Bruno Ishigami defende que haja atualizações periódicas da situação da pandemia por parte de figuras públicas.

"Sou a favor de ter comunicados com frequência por parte das figuras do Estado falando sobre a situação da pandemia, do agravamento passo a passo, na primeira onda, tínhamos boletins mais frequentes e acho importante para manter a população alerta sobre o que a gente está vivendo", diz.

"A comunicação que vejo como exemplo é a de Ângela Merkel, primeira-ministra Alemanha, porque ela fala o que tem que ser dito e toma as ações que precisam ser tomadas, por mais duras que sejam, ou pelo menos dá uma justificativa do momento em que estamos. É uma postura de liderança e de assumir a responsabilidade da condução da pandemia e do ônus das decisões que são tomadas", lembra Ishigami.

Para o profissional de saúde, é essencial que haja a defesa da proteção ao vírus por parte de lideranças políticas.

"Nesse momento duro que estamos vivendo, acho que as figuras públicas devem reforçar sobre o uso de máscara, reforçar que ambientes abertos têm menor risco de transmissão, porque a população precisa de informações concretas", frisa Bruno.

Acenos

Apesar da retomada de restrições em Pernambuco, o prefeito João Campos tem feito acenos do ponto de vista econômico. Na quarta (10), o gestor anunciou, após reunião com representantes dos setores, o adiamento de duas parcelas de impostos municipais (IPTU e ISS) para o final do ano, em razão do novo agravamento da pandemia.

A cientista política Priscila Lapa observa que, mesmo com as adversidades aos gestores públicos de decretarem restrições econômicas em razão da ausência do auxílio emergencial - que poderá voltar a partir de abril, João Campos tem feito acenos a setores econômicos.

"Anteriormente, alguns segmentos reclamavam muito da impossibilidade de criar alternativas a restrições. E João Campos já se reuniu com esses setores e postergou pagamentos de IPTU e ISS para o final do ano. Isso já mostra um aceno a essas categorias", afirma

Nos bastidores, prefeitos e governadores de diferentes cidades têm alegado que, sem auxílio emergencial, é mais difícil do que em 2020 fazer um lockdown (confinamento total) nas respectivas localidades. Segundo apurou o Blog, em Pernambuco, a avaliação não é diferente, pois as pessoas ficariam em casa sem amparo do governo federal.

"Como tínhamos uma possibilidade economicamente (auxílio emergencial), Geraldo Julio conseguia falar em isolamento, isso era mais possível", lembra Bruno Ishigami. "Hoje, o momento político e econômico não tem como garantir um isolamento efetivo. Mas acho que precisa ser dita à população a necessidade do isolamento e é preciso que seja dito como um estadista", afirma.

A comunicação com a imprensa também é outro fator diferente. Entre março e junho de 2020, a gestão de Geraldo Julio realizava entrevistas coletivas virtuais praticamente diárias para atualização do quadro da pandemia no Recife. A atual gestão opta por um contato de João Campos com emissoras de rádio e televisão nos locais de vacinação, temática explorada com frequência pelo prefeito.

"João sempre tenta construir uma agenda positiva diante de fatos negativos, porque tem o início de uma carreira política, um perfil mais jovem e dialoga com outros segmentos, diferente de Geraldo Julio", analisa Priscila Lapa.

Investigações

Já no âmbito de operações da Polícia Federal, a gestão de João Campos não tem sido alvo, enquanto a anterior foi mirada em sete operações da corporação por supostas irregularidades em compras no combate à covid-19. Em uma delas, em julho de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a prisão temporária do então secretário municipal de Saúde, Jailson Correia, mas o pedido foi negado pela Justiça Federal. A defesa do ex-secretário nega participação em irregularidades.

O pedido de prisão se deu na investigação que ficou mais conhecida, em razão da compra sem licitação de 500 respiradores, sem aval da Anvisa e que tinham sido testado apenas em porcos - como ocorre também com medicamentos - pelo valor de R$ 11,5 milhões à empresa Juvanete Barreto Freire, do setor veterinário, no interior de São Paulo.

Geraldo Julio não foi alvo diretamente de nenhuma das operações, que miraram apenas integrantes da Secretaria de Saúde da Prefeitura.

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