Carta de Eduardo Campos ao governador Paulo Câmara. Por Jair Pereira

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Blog de Jamildo

Publicado em 01/02/2021 às 9:19
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Por Jair Pereira, em artigo enviado ao blog

Prezado companheiro:

Guimarães Rosa, certa vez, disse que “as pessoas não morrem, ficam encantadas...que a gente morre é para provar que viveu”.

A gente vive em tudo que fizemos no curso da vida. O que fizemos no passado está presente agora. Tudo está conectado. O passado nunca fica onde a gente deixa. Quem não compreender essa associação, inevitável, em certas questões, saiba que pode estar contribuindo para desacreditar as ideias, os legados. Pra desfazer a memória. Que é a pior das mortes. Por que no fim, quando tudo acaba, só suas ações importam.

Tenho acompanhado as coisas do mundo, do Brasil, de Pernambuco, do Recife. Aqui, no meu território, onde tudo assistimos de forma privilegiada. Eu e muitos companheiros de lutas. Confiantes e com muita esperança no futuro. Mas, também, por outro lado, com as devidas preocupações de rumos que podem nos desviar para um abismo. A história, lembrava Churchill, é um lugar animado, cheio de surpresas.

O mundo tem registrado uma série de avanços, mas igualmente muitos retrocessos, que estão desafiando todos os modelos de regimes e de sistemas, até então tradicionais e, aparentemente, consolidados. Essa contradição tem exigido, do campo democrático e popular, um olhar mais atento aos acontecimentos, à luz da realidade concreta e objetiva, sem menosprezo do papel dos novos instrumentos de tecnologia e inovação disponíveis. É preciso, é verdade, estar atento a essas mudanças, ao novo, sob o risco de ficarmos presos aos velhos dogmas, às velhas soluções.

Mas há um descompasso perigoso da moderna tecnologia com a realidade de muitas Nações, a exemplo da nossa. Existem profundas diferenças econômicas e sociais entre os povos. Sem essa clareza objetiva, a introdução de sofisticados instrumentos de tecnologia tende a aumentar a subordinação da maioria da população aos que detêm o controle desses instrumentos. De certa maneira, as forças políticas, indisfarçavelmente genocidas e de limpeza étnica, têm levado alguma vantagem nessa disputa em todos os continentes.

O País tem experimentado, infelizmente, essa mesma contradição mundial. Vivendo, neste instante, a maior encruzilhada de sua história. Constatamos, estarrecidos, o aprofundamento do fosso de desigualdades que atinge o nosso povo há séculos, onde os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos, a cada dia, sendo os mais privilegiados. Cresce, igualmente, a todo o momento, os ataques contra os valores da democracia, da diversidade de gênero, da liberdade ampla de imprensa e de culto religioso, da igualdade de raças, dentre outras conquistas, obtidas através da luta do nosso povo e consagradas na Constituição Federal.

Temos um governo federal déspota, comandado por um presidente irresponsável na forma da lei, insensível e desumano na condução do País. Um boquirroto tagarela (com perdão ao pleonasmo) que só se alimenta de ódio, de intolerância, dividindo nossa população, em meio a uma guerra que estar a exigir a unidade dos brasileiros e do mundo para combater e vencer a pandemia de Covid-19.

O País, visivelmente, está sem rumos. E ao contrário do que prega o senhor ministro da economia, cujo pensamento e sustentação política têm como base os rentistas, a crise econômica não é apenas conjuntural. Ela tem fundamentos no próprio modelo de crescimento adotado pelo mercado financeiro, sedento pelo lucro fácil, independentemente da marginalização social cada vez maior dos milhões de desempregados e dos que sobrevivem abaixo da linha de pobreza. O tal “ajuste fiscal” do Governo Bolsonaro só faz ajustes para deixar os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, como acusamos antes.

Mas, em que pese todas essas dificuldades e limitações efetivas, diante de condições tão adversas, Senhor Governador, posso lhe adiantar que são grandes as oportunidades de sairmos deste ambiente melhor do que entramos. Não é o momento de aprofundar os termos dessa esperança nestas poucas linhas. Quem sabe, numa próxima oportunidade, posso voltar a lhe escrever sobre o tema.

Neste instante, penso que este novo caminho que enxergamos para o Brasil e o nosso povo, deve se iniciar a partir de um amplo debate interno no PSB sobre a conjuntura nacional. A começar por Pernambuco, que tradicionalmente foi vanguarda nesta iniciativa, na figura do ex-governador Miguel Arraes e por diversas manifestações nossas também. O Senhor é peça fundamental neste sentido.

Aqui, à distância, tem nos causado estranheza e perplexidade a falta de unidade nacional do Partido Socialista Brasileiro sobre questões fundamentais para os destinos do País. Essa insegurança política e institucional do nosso partido, quem viveu e testemunhou episódios passados sabe, põe em risco nosso papel decisivo para futuras batalhas políticas, que se colocam no presente e com desdobramentos para os próximos anos, em particular, para a disputa de 2022, onde enfrentaremos, certamente, as mais duras eleições da nossa história republicana.

Estranheza pela falta de unidade mínima que poderia nos autorizar a unir as forças políticas do campo democrático e popular. Perplexidade ao constatarmos a falta da compreensão política de alguns companheiros para, diante de uma crise sem precedentes, conseguir, de forma elementar até, identificar aliados, inimigos que possam nos ajudar a definir táticas e estratégias que levem à solução dos problemas nacionais na perspectiva democrática e popular. Aproveito Senhor Governador, para lhe parabenizar pela posição assumida em relação à sucessão da Mesa Diretora da Câmara Federal.

Por ora, é isso. Despeço-me do Senhor lhe fazendo um pedido de ordem mais pessoal. Transmita aos nossos companheiros do PSB, e fora dele, a sugestão de que não me esqueçam. A cada ataque que a mim for dirigido no campo pessoal, que eu sofrer, seja no passado, no presente ou no futuro, que eles reajam. Que não aceitem, como eu nunca aceitei, sob nenhuma justificativa, ataques covardes na disputa política contra quem quer que seja.

Todos sabem que o destino fez por onde eu não possa estar ai pra me defender pessoalmente de agressões torpes, feitas por personagens desqualificados e medíocres. Portanto, que os meus fiéis e leais companheiros de luta política não permitam tamanha sordidez. Que se indignem. Na certeza de que vou sempre contar com a solidariedade de muitos, deixo aqui, desde já, os nossos agradecimentos a todos e abraços fraternos. Pois é assim, entre outros motivos, que me sentirei sempre vivo em seus corações e mentes.

Cordialmente, Eduardo Campos

*Jair Pereira é jornalista e ex-assessor de Imprensa de Eduardo Campos durante 10 anos

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