O cara de pau do 'fura-fila' da vacina. Por Renato da Silva Filho

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José Matheus Santos

Publicado em 25/01/2021 às 11:05
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Por Renato da Silva Filho, procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, em artigo enviado ao blog

Para proteger a “mulher da sua vida”, o secretário de saúde de Pires do Rio-GO, deu um duplo salto carpado e, furando a fila, vacinou a sua esposa contra o Covid. Na sequência, a pedido do Ministério Público, foi afastado do cargo pela justiça. Terá mais tempo para cuidar da dona do seu coração. Era previsível, no País em que o Presidente da República, com o seu negacionismo patológico, recomenda aos seus seguidores a leitura da “bula”, antes de tomar o imunizante, que a famosa “Lei de Gérson” entrasse em campo. No Brasil há em torno de 180 mil leis em vigor, mas a de Gérson reina soberana. Não existe nos códigos, não tem número, não foi escrita, porém tem presença garantida no dia a dia, sendo a bússola dos sabidos, dos ímprobos.

Não é por falta de legislação que a impunidade é a regra no Brasil. Há o exemplo do Decreto Municipal 82/97 do Prefeito de Bacaiúva do Sul-PR que, preocupado com a redução das verbas repassadas ao município em face do encolhimento da população, proibiu a venda de camisinhas e anticoncepcionais na cidade. Noutra banda, a Lei Municipal 1.840/95 sancionada pelo Prefeito de Barras de Garças-MT, reservou um terreno para construção de um local de pouso para naves extraterrestres. Com se vê, há de tudo. Nesse cipoal legislativo, lá no finalzinho do nosso Código Penal, existe o art. 268 que diz ser crime “infringir determinação do poder público, destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa”.

Duvido que você pergunte a um delinquente profissional e ele não saiba que “157” é o artigo do Código Penal referente a roubo. Se “caiu” pelo “121”, matou ou tentou matar alguém e, por fim, o larápio ardiloso, sempre se apresenta como “171” que vem a ser o estelionato. Mas, poucas pessoas, honestas ou não, sabem da existência do art. 268 do CP e com razão. Estou há 38 anos no Ministério Público e nunca vi uma acusação penal em face daquele crime. Mas está lá e, nos dias atuais, merece ser lembrado. A pena é fraquinha, detenção de um mês a um ano e multa mas, se o fura fila for funcionário público – de qualquer natureza – poderá também responder por improbidade administrativa e perder o cargo, sendo atingido na parte mais sensível do corpo, o “bolso”.

Com decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341/20 que legitimou Estados e Municípios a implementarem regras de políticas públicas atinentes à saúde, em face da pandemia, estas normas complementam o art. 268 do CP e possibilitam a abertura de ações penais contra os fura filas. Tudo isso sem se descuidar da curiosa e interessante recomendação do leitor Carlos Alberto B. Da Silva (JC – Opinião 23/01/21) que, aos puladores de filas, fosse administrada, na segunda dose, um simples placebo, sem que eles soubessem, evidentemente.

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