Marechal Bolsonaro

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jamildo

Publicado em 15/01/2021 às 15:30
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Está na pauta do Congresso a votação de dois projetos de Lei Orgânica das polícias civil e militar, que reduzem o poder político dos governadores sobre as tropas estaduais, em todo o país. Têm o apoio de Jair Bolsonaro e são defendidos, com entusiasmo, pela chamada “bancada da bala”, um ajuntamento de cerca de 300 deputados federais, formado por ex-policiais.

Os projetos preveem mandatos de dois anos para o Comandante Geral da Polícia Militar e o Delegado Geral da Polícia Civil. O nome do primeiro sairia de uma listra tríplice escolhida pelos oficiais da corporação, em seguida encaminhada para nomeação do Governador do Estado. No caso do Delegado Geral da Polícia Civil, este poderia ser selecionado diretamente pelo Governador, mas apenas entre os da classe mais elevada da carreira.

A nova legislação também alteraria os formatos e os critérios de destituição dos chefes das tropas estaduais. O Governador teria que “justificar”, mediante “motivo relevante devidamente comprovado”, a substituição do Comandante Geral da Polícia Militar. A troca do Diretor Geral da Polícia Civil exigiria aprovação da Assembleia Legislativa, em votação por maioria absoluta dos parlamentares.

A Polícia Militar passaria a ter uma estrutura hierárquica semelhante às das Forças Armadas, com três níveis de oficiais-generais: tenente-general, major-general e brigadeiro-general. A estabilidade de dois anos no posto não lhes alcançaria, privilégio reservado exclusivamente ao Comandante Geral.

Os dois projetos sugerem uma militarização cada vez maior das duas polícias, especialmente da PM – o que enfraquece os Governadores e fortalece antigos planos de Jair Bolsonaro. Na escalada de confrontos com o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, Sua Excelência cogitou dividir o ministério em dois, entregando a segurança pública a um representante da “bancada da bala”. Este teria como principal tarefa ser uma ponte política entre o Governo Federal e as polícias estaduais, estreitando laços cultivados desde a campanha presidencial.

A ideia não vingou na época, mas retorna agora, a pretexto de que a nova Lei Orgânica vai integrar ações federais e estaduais e reduzir a violência. Especialistas contestam, afirmando que o efeito será o maior alinhamento ideológico das polícias estaduais com o governo Bolsonaro e sua submissão a interesses estranhos aos dos estados, mitigando autoridade dos governadores – muitos deles da oposição.

Ao longo do tempo essa relação sempre foi conflagrada. No Ceará, no ano passado, um grande motim da PM paralisou o estado, deixando as ruas livres para assaltantes e homicidas, enquanto Bolsonaro se mantinha calado, mesmo diante do pânico da população. Em outros anos, episódios semelhantes ocorreram em Minas Gerais, Pernambuco, Espírito Santo e na Bahia.

O presidente tem nos policiais fiéis seguidores. Nas eleições municipais passadas vários se candidataram a prefeito e a vereador sob o seu manto, o mesmo tendo acontecido em 2018. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em agosto do ano passado, constatou que 41% dos praças da PM interagiam em ambientes virtuais bolsonaristas no Facebook e 25% deles multiplicavam ideias radicais.

Governadores já se mobilizam para barrar os projetos. Temem que eles se prestem para Bolsonaro organizar uma “força paralela” nos estados e, pior: valer-se da maior autonomia das polícias estaduais nas nomeações para ter, nos seus comandos, simpatizantes e aliados. Nos anos distópicos da ditadura de 1964 foi assim, servindo então as polícias estaduais como forças auxiliares da repressão política, às vezes à revelia dos governadores.

Compõem também o quadro as linhas cada vez mais nítidas da sucessão presidencial. Com o Brasil engolfado em crises econômicas, sociais e sanitárias, Jair Bolsonaro tem urgência em reformular o seu discurso. O compromisso de lutar, sem quartel, pela segurança de todos os cidadãos, assegurando a cada um o direito de portar uma arma, sempre foi um discurso autoritário que rende votos. Vale agora de novo, quando o desemprego traz de reboque mais violência.

Nesse campo, como se sabe, nunca houve limites para o presidente da República. Candidato, posou para fotógrafos segurando um rifle automático; receitou tiro de cartucho para invasor de terra e, quando no Exército, foi investigado por planejar um ato terrorista. Seus aliados ameaçam fisicamente adversários nas ruas e nas redes sociais, defendidos por Sua Excelência, comprovado homem de combate.

Vencedor antecipado de guerras que um dia irá travar, para Bolsonaro pouco vale o posto de general-tenente de uma nova polícia militar. Cabe-lhe por mérito a honra de ser o primeiro e único Marechal Bolsonaro, patrono da cloroquina.

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