Bolsonaro: melhores momentos. Por Ricardo Leitão

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jamildo

Publicado em 08/01/2021 às 15:30
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Vive-se ainda o tempo das retrospectivas. Portanto, cabe uma revisão dos melhores momentos de Jair Bolsonaro, ao fim de seus incríveis dois anos iniciais na Presidência da República. Há de tudo, da defesa da cloroquina contra a covid-19 até questionamentos sobre jatos de urina na nuca. Seria até hilário, não fosse o Capitão o líder tragicômico de um país do tamanho e da importância do Brasil.

São muitos os melhores momentos. No atacado, basta relembrar seus principais compromissos na campanha, todos logo abandonados no governo: as privatizações, a reforma tributária, o apoio à Lava Jato, o combate à corrupção e à insegurança, o “capitalismo liberal”, a “nova política”, a defesa da liberdade de expressão. Tudo virou fake.

Há momentos especiais, quando Sua Excelência torna-se incomparável. Caso de seu desempenho na pandemia, tratada por ele como “uma gripezinha”. Quando os mortos chegaram a 10 mil e foi questionado, rebateu dizendo que “não era coveiro”. Em seguida, chamou de “maricas” os que temiam a doença. Bolsonaro reagiu às medidas de isolamento social; boicotou o uso de máscara; trombou com governadores pelo monopólio das ações contra a covid-19; demitiu dois ministros da Saúde e, por fim, terminou contaminado. O ano de 2020 chegou ao fim e o país não tem vacinas, seringas, agulhas, nenhum plano que salve da morte dezenas de milhares de brasileiros, nas próximas semanas.

O debate sobre o meio ambiente foi outro grande momento do Presidente da República. De início, ele culpou os índios pelos incêndios e queimadas. Em seguida, acusou as Ongs, “defensoras dos interesses de empresas multinacionais que cobiçam as nossas riquezas”. Logo depois, voltou à carga, mirando órgãos do governo, que alertavam para a degradação ambiental na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Demitiu seus chefes e militarizou suas diretorias. No final de 2020, a devastação bateu recordes nas três regiões. No Pantanal, 30% do bioma foram destruídos. Na Amazônia, o desmate cresceu de 10.129 quilômetros quadrados, em 2019, para 11.088 quilômetros quadrados, em 2020.

O combate à insegurança foi igualmente um dos melhores momentos do Capitão nos dois primeiros anos. Seus decretos, permitindo que civis comprassem mais armas e munições, fizeram com que, apenas no primeiro semestre de 2020, chegassem nas mãos da população 73.985 novas armas. Um número que ultrapassou o total de 51.027 armas vendidas durante todo o ano de 2019, um aumento de 45%. Quanto à comercialização de unidades de munição, outro grande momento. De janeiro a maio de 2020, o crescimento foi de 98% em relação ao mesmo período de 2019. Apenas em maio do ano passado foram vendidos 1,5 milhão de cartuchos, mais de 2.000 por hora. E a insegurança, claro, só aumentou.

Age dessa forma Bolsonaro estimulado pela “bancada da bala”, ajuntamento de deputados federais formado por ex-policiais financiados pela indústria bélica. A bancada faz parte do Centrão, conglomerado de direita que dá apoio ao Presidente no Congresso e se tornou uma anedota de sua “nova política”. O Centrão não tardou em apresentar o seu preço, no jogo entre o Executivo e o Parlamento. O Capitão é agora um refém da velha política, que permuta favores com deputados e senadores, jogo que se torna cada vez mais perigoso por envolver, como moeda de troca, o risco de seu impeachment.

Boa parte dos integrantes do Centrão são investigados por corrupção, porém isso é secundário: Sua Excelência orgulha-se publicamente de seu compromisso com a Lava Jato. Mas como, se demitiu do Ministério da Justiça o juiz Sérgio Moro, que comandou a operação? Mas como, se três filhos seus estão sendo investigados pela polícia e pelo Ministério Público? Mas como, se ele mesmo, Bolsonaro, está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal?

Questões que não mereceram as atenções do Capitão. Ele não retalia, é um cultor de paz, formado nos bons costumes da caserna. Tanto que logo se desculpou depois de ter publicado, em sua conta no Twitter, vídeo em que um homem coloca o dedo no próprio ânus e recebe um jato de urina na nuca. Um dos melhores momentos do Presidente da República, que assim mais uma vez se mostrou digno defensor da moral e da família.

O que mais recordar nesses dois primeiros anos? Há os embates quase diários com jornalistas, quando teve oportunidade de apresentar sua visão particular de defesa da liberdade de expressão: ameaçou esmurrar a boca de um repórter, quando perguntado sobre depósitos suspeitos de R$ 98 mil na conta de sua mulher, Michelle, fez um comentário grosseiro sobre a intenção de uma repórter de “dar um furo” e pressionou empresas para não publicar anúncios em jornais que considera seus opositores.

No entanto, mestre do espetáculo, deixou para o apagar das luzes do segundo ano a derradeira performance: a empatia pública com torturadores e com a tortura. Como muitos jamais esquecerão, homenageou, no plenário da Câmara dos Deputados, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, um dos mais notórios torturadores na ditadura militar, tratado pelo então deputado federal Bolsonaro como herói. Em 29 de dezembro passado, se superou, ao exigir, diante de fanáticos no portão do Palácio da Alvorada, que lhe fosse mostrada a radiografia da mandíbula fraturada da Presidente Dilma Rousseff. Seria a prova de que ela teria sido torturada na prisão – o que Sua Excelência contesta.

Foi chamado de debochado, canalha e cafajeste, indigno do cargo que ocupa. O protesto reuniu políticos de todas as tendências. O Capitão não se deu ao trabalho de responder. Um dos seus melhores e desafiadores momentos, nesses dois anos que envergonham os brasileiros.

Jair Bolsonaro marcha em frente, pisoteando o tempo que lhe resta, com as crises em alta e a popularidade em baixa. Depois de afrontar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e participar de manifestações pela volta dos militares ao poder, o que nos reserva de melhores momentos em 2021 e 2022?

Generoso, já nos deu a primeira pista, ao declarar que “o Brasil está quebrado” e portanto “não posso fazer nada”. Na frase, pronunciada no dia 5 passado, há uma mentira e uma verdade: o País não está quebrado; por outro lado, o fazer nada não é uma contingência momentânea. É um estilo de governar, amplamente demonstrado pelo Presidente da República nos dois primeiros anos de sua gestão. A verdade é essa.

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