Zika vírus: cepa coletada em Pernambuco causa inflamação mais agressiva, persistente e crônica

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 21/08/2019 às 16:11
"A nossa cepa favorece a permanência aumentada do vírus no sistema nervoso central. Percebemos que ela leva a uma inflamação mais prolongada e crônica", destaca Rafael França, da Fiocruz PE (Foto: Ascom Fiocruz PE)
"A nossa cepa favorece a permanência aumentada do vírus no sistema nervoso central. Percebemos que ela leva a uma inflamação mais prolongada e crônica", destaca Rafael França, da Fiocruz PE (Foto: Ascom Fiocruz PE) FOTO: "A nossa cepa favorece a permanência aumentada do vírus no sistema nervoso central. Percebemos que ela leva a uma inflamação mais prolongada e crônica", destaca Rafael França, da Fiocruz PE (Foto: Ascom Fiocruz PE)

Não restam mais dúvidas de que a infecção pelo zika na gestação pode levar ao comprometimento do desenvolvimento do sistema nervoso central do bebê e, dessa maneira, causar complicações associadas à síndrome congênita do zika, cuja malformação mais conhecida é a microcefalia. Agora os pesquisadores já sabem também como essas alterações são processadas. Um estudo inédito desenvolvido na Fiocruz Pernambuco revela que não é apenas o vírus em si que leva a malformações. A resposta imunológica descontrolada, provocada pelo zika no organismo, é que pode causar danos ao sistema nervoso central.

Especificamente em relação aos casos de microcefalia, documentados primeiramente no Nordeste brasileiro, os pesquisadores perceberam que a cepa do vírus que infectou as gestantes em Pernambuco, na epidemia dos anos de 2015 e 2016, desencadeia um perfil inflamatório bastante específico, persistente e crônico. Para o estudo, duas cepas do zika foram utilizadas: uma originada no Camboja (país do sudeste asiático) em 2010; outra no Brasil, exatamente em Pernambuco e que foi isolada na unidade da Fiocruz no Estado.

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"A nossa cepa favorece a permanência aumentada do vírus no sistema nervoso central. Percebemos que ela leva a uma inflamação mais prolongada e crônica. E quanto mais tempo o vírus passa no organismo, mais a criança sofre (com as complicações). Mesmo passados meses do nascimento, observa-se o cérebro inflamado, com permanência de doenças neurológicas", explica o coordenador do trabalho, o pesquisador da Fiocruz Pernambuco Rafael França.

"A comparação entre os processos inflamatórios causados pelas duas cepas permitiu observar que a intensidade da resposta à cepa ancestral (Camboja) é muito mais exacerbada e curta, em relação ao tempo. Provavelmente o sistema imune consegue eliminar o vírus de forma rápida, o que não causa o prolongamento no processo inflamatório, que possivelmente causa a microcefalia", destaca o pesquisador Antonio Rezende, que também desenvolveu o estudo.

Os achados da pesquisa foram publicados, no último dia 16, na revista científica Frontiers in Immunology. O trabalho, coordenado pelo pesquisador da Fiocruz Pernambuco Rafael França, também foi desenvolvido pelo pesquisador Antonio Rezende e as doutorandas Morganna Lima e Leila Mendonça, todos da Fiocruz Pernambuco.

Primeiramente, o estudo foi realizado in vitro, com células tronco neuronais humanas (semelhantes a minicérebros em desenvolvimento), para verificar qual o perfil inflamatório induzido pela infecção nestas células. Posteriormente a pesquisa foi continuada com análises de amostras de líquor (líquido cefalorraquidiano – LRC) de crianças com microcefalia. “Com base na assinatura dos genes (ou seja, quais genes que estão desligados ou acionados, e em que intensidade) e moléculas inflamatórias, descobrimos uma assinatura específica característica da cepa viral que causa microcefalia”, diz Rafael França.

França esclarece que, a partir da identificação dessa assinatura, torna-se possível pensar em novas estratégias terapêuticas e medicamentos para combater esse processo inflamatório crônico e alcançar uma atenuação da condição de saúde das crianças. "À medida em que se detecta e faz um tratamento baseado nesse mecanismo inflamatório, abre-se a possibilidade de bloquear esse processo, proporcionando a uma criança infectada pelo zika um desenvolvimento do sistema nervoso central melhor."

A equipe da pesquisa utilizou equipamentos da Fiocruz Pernambuco com tecnologia avançada em relação a sequenciamento de DNA e RNA. Foram realizadas também parcerias técnicas com as universidades de Pittsburgh (EUA) e Glasgow (Reino Unido).