Chagas: alimento contaminado pode ter relação com surto da doença em Pernambuco

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 04/06/2019 às 9:56
A Casa de Chagas, no bairro de Santo Amaro, recebe pacientes em tratamento (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)
A Casa de Chagas, no bairro de Santo Amaro, recebe pacientes em tratamento (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem) FOTO: A Casa de Chagas, no bairro de Santo Amaro, recebe pacientes em tratamento (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

Uma menina de 2 anos chamada Berenice foi a primeira paciente da história diagnosticada com a doença de Chagas, em plena fase aguda (surge logo após a infecção) da doença, no município de Lassance (MG). Desde então, passaram-se 110 anos e o problema permanece negligenciado. O reflexo vem do primeiro surto de Chagas de Pernambuco (e possivelmente o maior do Brasil), segundo alegam médicos e especialistas que investigam uma microepidemia decorrente da cidade de Ibimirim, no Sertão do Estado, que reforça o alerta para uma nova realidade de enfrentamento: o consumo de alimentos contaminados com parasitos – considerado atualmente a principal forma de transmissão da doença, que afeta 2 milhões de brasileiros.

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“A principal suspeita é de que tenha sido uma contaminação oral, mas ainda não conseguimos identificar que tipo de alimento”, informou o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), Demetrius Montenegro, que acompanha os pacientes expostos ao surto. “Foram 77 pessoas possivelmente atingidas, com 25 casos confirmados. Desses, 20 tiveram o parasita identificado em exame laboratorial. Entre as que têm sintomas, oito estão em acompanhamento no hospital.” Todas participaram de evento religioso em Ibimirim, na Semana Santa. A primeira notificação da doença, contudo, chegou à Secretaria Estadual de Saúde (SES) no último dia 20, já que inicialmente os médicos não suspeitaram de Chagas.

"Os pacientes são de vários locais: Recife e Região Metropolitana, Arcoverde e até da Paraíba", informa Demetrius Montenegro (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

Independentemente de apresentarem sinais clínicos da doença, todo o grupo exposto ao surto está em investigação, inclusive as pessoas que tiveram exames negativos, já que essa característica não afasta a possibilidade de contaminação. As pessoas desse surto atual encontram-se na fase aguda (inicial) da doença, diferentemente dos registros anteriores em Pernambuco, com formas sintomáticas e crônicas, incluindo problemas cardíacos e problemas digestivos.

Para o cardiologista Wilson Oliveira, coordenador da Casa de Chagas (no bairro de Santo Amaro, área central do Recife), por terem sido diagnosticados na fase aguda, os pacientes contaminados têm mais chances de terem a doença controlada, em comparação com aqueles que tiveram a enfermidade detectada anos após a infecção. “A perspectiva de cura é maior, mas são pessoas que precisam ser acompanhadas por toda a vida. O tratamento tem como objetivo fazer com que a doença não evolua para a cardiopatia crônica ou eventualmente para uma alteração digestiva”, esclareceu. Segundo o médico, cerca de dez novas pessoas (na fase crônica da doença) procuram apoio, a cada mês, na unidade, que tem atualmente 2 mil pacientes cadastrados.

"O maior responsável por casos novos hoje, no Brasil, é a transmissão oral (por alimento contaminado)", salienta Wilson Oliveira (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

Morador de Camaragibe, no Grande Recife, um homem de 39 anos é uma das pessoas que participaram do evento em Ibimirim. Ele teve alta do Huoc na sexta-feira (31). “Tive os primeiros sintomas no dia 3 de maio. Minha esposa e eu fomos internados porque não aguentávamos mais as dores no corpo. Tínhamos febre o dia inteiro, além de uma dor insuportável no estômago. Fiz um exame cardiológico, que mostrou pequena alteração no coração, e o médico disse que não é grave. Hoje me sinto bem”, relatou um dos pacientes. Ele contou ainda que os participantes do encontro religioso comeram alimentos que eles próprios levaram à cidade sertaneja. “Só as frutas que compramos em Ibimirim. No bebedouro que usamos na escola, onde o evento foi realizado, foram encontradas fezes que pareciam de lagartixa”, completou. A esposa continua internada, e o filho, de 8 anos, que foi ao evento, não chegou a apresentar sintomas.

“Há pacientes que estão tomando a medicação em casa, e os que estão no hospital têm um quadro mais delicado. Alguns continuam com febre, outros têm alteração do ritmo cardíaco e um apresenta um derrame pericárdico (condição em que a membrana que envolve o coração fica com líquido). Todos já começaram a ser tratados (para Chagas), e evoluem de forma satisfatória”, disse Demetrius. O cardiologista Wilson Oliveira acrescentou que, entre as pessoas em acompanhamento, há uma gestante com sintomas da doença. “Está sendo bem assistida. Se ela apresentar sorologia positiva, o sangue do bebê será colhido após o nascimento. Se ele apresentar positividade ainda após os nove meses de vida, é tratado. São geralmente casos com resultados muito bons.”

Assista a vídeo sobre doença de Chagas: