Vacinação: baixas coberturas de Palmares deixam município em risco de surtos

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 25/03/2019 às 10:01
Em Palmares, todas as vacinas não saem da casa dos 50% (ou estão abaixo disso) . As taxas analisadas correspondem à vacinação de rotina em 2018 (Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem)
Em Palmares, todas as vacinas não saem da casa dos 50% (ou estão abaixo disso) . As taxas analisadas correspondem à vacinação de rotina em 2018 (Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem) FOTO: Em Palmares, todas as vacinas não saem da casa dos 50% (ou estão abaixo disso) . As taxas analisadas correspondem à vacinação de rotina em 2018 (Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem)

PALMARES – Em muitas cidades brasileiras, o Zé Gotinha (personagem criado na década de 1980 como símbolo da vacinação) não aparece mais com um sorriso nos cartazes espalhados pelos postos. Essa tristeza foi destacada em campanha recente do Ministério da Saúde para conscientizar a população sobre a importância da imunização. A consternação do boneco-símbolo é explicada pelas falhas na vacinação que ameaçam o retorno de doenças e que abrem portas para o aumento exponencial no número de adoecimento por vírus ou bactérias. Há localidades onde a tendência de queda nas coberturas é tão expressiva que eleva a apreensão das autoridades de saúde. Esse é o retrato de Palmares, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, a 130 quilômetros do Recife. O município, que tem cerca de 63 mil habitantes, mantém muito abaixo da meta as principais vacinas do calendário, segundo dados levantados pela reportagem do Jornal do Commercio, a partir das informações disponíveis no sistema do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Com exceção da BCG (protege contra as formas graves de tuberculose e é aplicada na maternidade) e da hepatite B em menores de 1 mês, cujos índices passaram da meta (360% e 359%, respectivamente), todas as vacinas não saem da casa dos 50% (ou estão abaixo disso) em Palmares. As taxas analisadas correspondem à vacinação de rotina em 2018.

Na série de reportagens publicada pelo Jornal do Commercio e pelo blog Casa Saudável, entre 10 e 12 deste mês, a coordenadora do Programa Estadual de Imunização, Ana Catarina de Melo, considerou os percentuais baixos, apresentados por alguns municípios pernambucanos, como “um problema pesado”. Ela destaca que localidades com taxas de 50% ou abaixo trazem alerta para o risco de bolsões de pessoas susceptíveis ao adoecimento. “Ter só 50% de cobertura significa ter a outra metade de cidadãos propensos a doenças”, diz Ana Catarina.

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A queda da cobertura vacinal no município segue uma tendência observada no recorte dos números nacionais. Já em 2016, quando o Brasil recebeu certificado de eliminação do sarampo (a perda desse título foi anunciada, pelo Ministério da Saúde, no último dia 19), Palmares começou a apresentar um declínio significativo nos índices da tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. Naquele ano, a cobertura da primeira dose, aplicada aos 12 meses de vida, foi de 59%. Para a segunda dose, dada aos 15 meses, a taxa foi de 30% – o ideal são percentuais a partir de 95% em ambas as aplicações. No ano anterior (2015), a primeira e a segunda tiveram taxas, respectivamente, de 93% e 101%.

Taxas de coberturas vacinais de 50% ou abaixo trazem alerta para o risco de bolsões de pessoas susceptíveis ao adoecimento (Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem)

Em Palmares, 18 unidades básicas de saúde oferecem vacinas. O Posto Zenóbio de Melo, no bairro Santo Antônio, é considerado um dos mais movimentados. A sala onde é feita imunização abre as portas às 7h30 e, segundo a técnica de enfermagem Rosemery Alves, são feitos de 12 a 13 atendimentos por dia, de segunda a sexta-feira. “No caso das crianças de até 2 anos, temos o cartão-sombra (cópia da caderneta de vacinação), que fica arquivado para acompanharmos os casos de possível atraso nas vacinas. Se isso acontece, o agente de saúde comunica às famílias”, diz Rosemery.

Foi o que aconteceu com a dona de casa Karine de Lima, 26 anos, mãe de Lara, de 8 meses, e de Isabelly, 4 anos. “Todos os meses, a agente de saúde passa na minha casa. Sempre fala das vacinas e me lembra das campanhas. Mas a minha filha mais nova adoeceu, ficou com febre e não tomou as vacinas dos 6 meses no tempo certo. Vim, então, atualizar o cartão dela”, contou Karine. Na última quinta-feira (21), a pequena Lara tomou a gotinha de vitamina A e algumas aplicações para continuar protegida contra doenças. Na ocasião, o cartão da irmã, Isabelly, também foi verificado, e ela precisou tomar vacinas indicadas para a idade: a gotinha para evitar pólio, a dose contra catapora e o reforço contra difteria, tétano, coqueluche.

A estudante de enfermagem Gessica Priscila de Paula, 27, também foi ao posto para tirar dúvidas sobre a caderneta. Ela levou o documento para conferir se as doses que já havia tomado estavam em ordem. “Preciso estar protegida para cuidar das pessoas. Como atualizei o cartão quando estava grávida, não precisei receber aplicações agora”, disse. Em Palmares, uma das vacinas do calendário da gestante está com baixa cobertura, assim como em outras cidades do Estado. No município, a taxa da dTpa (tríplice bacteriana acelular que protege a mulher e o bebê contra difteria, tétano e coqueluche), exclusiva para grávidas na rede pública, ficou em 35%, enquanto a meta é atingir 95% desse público.

Secretário cobra a ministério que atualize dados

O secretário de Saúde de Palmares, Francisco Bernardo Santos, explica que as baixas coberturas vacinais apresentadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) estão relacionadas a uma desatualização, por parte do Ministério da Saúde, do número de nascimentos registrados no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e das estimativas populacionais. Para exemplificar, ele diz que, em 2017, o marco estabelecido pelo ministério, para o município, era vacinar 1.756 crianças menores de 1 ano. “Mas, na nossa cidade, só nasceram 1.334 crianças. Então, como vamos cumprir essa meta? É exatamente isso que deve ser acompanhado e revisto. Estamos acompanhando as nossas coberturas mês a mês, semana a semana, para fazer um estudo, enviar ao Estado e ao ministério para que nossa meta seja atualizada. Já encaminhamos uma parte (do relatório) para a gestão estadual”, afirma o secretário. Ele garante que as crianças de Palmares estão protegidas, especialmente contra sarampo e pólio.

"O número de nascidos vivos no município é menor do que o total estipulado para se chegar à cobertura exigida (na rotina). Salientamos que, na campanha contra pólio e sarampo, de 2018, atingimos a meta”, frisa o secretário de Saúde de Palmares, Francisco Bernardo Santos (Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem)

O secretário acrescenta que ele e a coordenadora municipal de Planejamento, Alexsandra Machado, já foram ao Ministério da Saúde apresentar essa realidade de Palmares no fim do ano passado. “Acredito que a meta que o ministério estipula é tirada de séries anteriores (de nascidos vivos), o que não retrata mais o nosso cenário”, diz Francisco Santos sobre a redução da natalidade na cidade, o que – segundo ele – poderia significar que não há crianças suficientes em Palmares para manter a taxa de cobertura das vacinas preconizadas pelo governo federal. “Acreditamos que os casos de microcefalia e a campanha municipal de inserção de DIU (sigla para dispositivo intrauterino, que é um método contraceptivo) contribuíram para a redução no número de nascimentos. Dessa maneira, o Ministério da Saúde precisa ver essa documentação para modificar o nosso perfil (para índices vacinais).”

Registros 

As fortes chuvas que atingiram Palmares nos anos de 2010 e 2017 fizeram vários moradores perderem a caderneta de vacina. Dessa maneira, os postos do município recebem frequentemente pessoas que precisam se imunizar e não se lembram das doses que já tomaram. É o caso do porteiro Fábio Bezerra da Silva, 37, que foi a uma unidade de saúde receber as aplicações indicadas para a faixa etária. “Foi uma solicitação da empresa onde vou trabalhar. Fazia tempo que eu tinha me vacinado, mas não lembrava as doses que tinha recebido. É importante se proteger”, conta Fábio Silva.