Baixa cobertura de vacinas em PE traz ameaça de epidemias e volta de doenças erradicadas

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 10/03/2019 às 12:13
Levantamento feito pela reportagem do Jornal do Commercio e pelo blog Casa Saudável, a partir de dados disponíveis no Programa Nacional de Imunizações, revela que a cobertura vacinal da maioria das doses (indicadas especialmente para crianças) está abaixo da meta em Pernambuco (Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem)
Levantamento feito pela reportagem do Jornal do Commercio e pelo blog Casa Saudável, a partir de dados disponíveis no Programa Nacional de Imunizações, revela que a cobertura vacinal da maioria das doses (indicadas especialmente para crianças) está abaixo da meta em Pernambuco (Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem) FOTO: Levantamento feito pela reportagem do Jornal do Commercio e pelo blog Casa Saudável, a partir de dados disponíveis no Programa Nacional de Imunizações, revela que a cobertura vacinal da maioria das doses (indicadas especialmente para crianças) está abaixo da meta em Pernambuco (Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem)

Série de reportagens, iniciada neste domingo (10), alerta para baixas coberturas vacinais. Até terça (12), serão abordados os benefícios da imunização em todas as fases da vida.

As principais vacinas do calendário, em Pernambuco, seguem abaixo dos percentuais de 90% a 95% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conferir proteção contra agentes infecciosos que causam doenças graves e geralmente letais, como o sarampo, ou bactérias que provocam meningite. Levantamento feito pela reportagem do Jornal do Commercio e pelo blog Casa Saudável, a partir de dados disponíveis no Programa Nacional de Imunizações (PNI), revela que a cobertura vacinal da maioria das doses (indicadas especialmente para crianças) está abaixo da meta. Somente as vacinas BCG (protege contra as formas graves de tuberculose e é aplicada em dose única nas maternidades) e rotavírus (contra diarreia severa) passaram dos 90% recomendados e atingiram boa cobertura no Estado, de 103,58% e 91,21%, respectivamente. Para os demais imunizantes, a taxa deve ser de pelo menos 95% – e está aquém para outras vacinas, como meningococo C, poliomielite, HPV, hepatites A e B.

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As taxas analisadas correspondem à vacinação de rotina em 2018, e os municípios pernambucanos têm até o dia 31 deste mês para revisar o banco de dados. Outro detalhe também preocupante é que muitos não receberam proteção completa com a tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola). Em meio a um cenário em que o Brasil não consegue interromper a transmissão ativa do sarampo, Pernambuco só chegou à cobertura adequada (101,84%) da primeira dose, aplicada aos 12 meses de vida. Para a segunda dose, dada aos 15 meses de vida, a taxa está em 67,11%. Para proteção contra a poliomielite, que pode provocar paralisia permanente nas pernas e nos braços, o cenário é semelhante e também causa apreensão diante do risco de retorno da doença no País. A cobertura está em 90,63% na primeira dose (ainda abaixo da meta). Para o primeiro reforço, a taxa recua para 73,19%.

Os dados preocupam. E muito. Essa queda na vacinação acende uma luz vermelha e justifica os motivos para a inquietação dos profissionais e autoridades de saúde. “A população deve compreender que, ao ser vacinada, não vai adoecer. Também é preciso entender que não é para se imunizar apenas quando aparece um surto. Afinal, a proteção só começa a agir após um tempo, de 10 a 15 dias, da aplicação. Se as pessoas estão bem vacinadas, não ficarão doentes quando entrarem em contato com agentes infecciosos”, esclarece a coordenadora do Programa Estadual de Imunização, Ana Catarina de Melo.

Para ela, a estratégia capaz de fazer voltar as taxas de imunização adequadas passa por dois caminhos: as autoridades precisam fazer um trabalho reforçado para conscientizar sobre a importância da vacinação e também devem rever o processo de organização para disponibilizar as doses. “Existe uma mudança na percepção de risco da população. Muitos acreditam que a vacinação só deve ser feita em momentos de campanha. Mas também precisamos avaliar a estrutura do nosso sistema e questionar se a estratégia adotada atualmente é a melhor para possibilitar a proteção da sociedade”, completa Ana Catarina.

Outra particularidade que precisa ser considerada, segundo a coordenadora do programa em Pernambuco, é a via de acesso e a maneira como as vacinas são ofertadas. “Será que devemos mesmo esperar as pessoas irem até uma unidade de saúde para fazer a imunização? Ou devemos ir até determinadas comunidades, como aquelas de famílias que vivem em zonas rurais e não conseguem levar os filhos aos postos porque todos trabalham o dia inteiro? Já nas cidades, com homens e mulheres no mercado de trabalho, os pais não têm mais a mesma disponibilidade para levar a unidades de saúde”, reflete Ana Catarina, que viu a situação se inverter, no Recife, no ano passado, quando unidades da rede municipal abriram as portas em horário estendido (até 21h) durante a campanha nacional contra pólio e sarampo. “Eu estava na Policlínica Albert Sabin (Tamarineira, Zona Norte da cidade), à noite, e vi filas enormes. Eram pais que tinham acabado de largar do trabalho e estavam levando os filhos que haviam acabado de sair da escola. Ou seja, precisamos analisar essa dinâmica para rever os horários de vacinação nos postos”, acrescenta.

Recife também tem queda em taxas de imunização

Na Policlínica Lessa de Andrade, no bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife, a movimentação começa cedo. Às 7h, a sala de vacinação passa a acomodar pessoas de todas as faixas etárias que procuram a unidade para imunização. Por outro lado, há outros postos na cidade com demandas pequenas, mesmo com doses suficientes para oferecer à população. Isso se reflete no recuo das coberturas na capital pernambucana, acompanhando o cenário no Estado. As taxas de rotavírus, meningococo C, pneumocócica, pólio e hepatite A, assim como os reforços (quando indicados), estão baixas no Recife, considerando os dados de 2018 do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações.

A segunda dose da tríplice viral (que deve ser administrada aos 15 meses para fortalecer a proteção contra sarampo, caxumba e rubéola), por exemplo, foi de 67,6%, no ano passado, na cidade. A baixa cobertura reflete um comportamento observado após a criança completar 1 ano. “Antes disso, as vacinas têm taxas relativamente altas. Os pais levam os filhos com mais frequência aos serviços de saúde e vão ao pediatra com regularidade para pesar e medir a criança. A partir dos 12 meses de vida, quando são necessárias aplicações de reforço, a gente vê queda na imunização. A preocupação das famílias é menor, e isso impacta na queda das coberturas vacinais”, explica o presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco, Eduardo Jorge da Fonseca Lima, que faz parte do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

O médico destaca que completar os esquemas é essencial para conferir total proteção contra doenças. “Quando a população está bem vacinada, evita-se criar um verdadeiro exército de pessoas susceptíveis ao adoecimento. Mesmo uma queda aparentemente pequena nas doses de reforço, pode possibilitar surgimento de epidemias”, acrescenta Eduardo Jorge. Ele usa como exemplo também a tríplice bacteriana (DTP), que evita proteção contra difteria, tétano e coqueluche. “Observamos uma queda sempre nas aplicações posteriores às dos primeiros meses de vida. Com a DTP, no Brasil, o primeiro reforço teve cobertura de 64% em 2016. Não lembro de, nos últimos 20 anos, ter visto um percentual tão baixo.” Naquele mesmo ano, o Recife teve taxa menor do que a nacional para o primeiro reforço da DTP, de 56%. Em 2018, caiu mais: 47,5%. Considerando a média de todos os municípios pernambucanos, em 2016, o percentual foi de 78,6% para a mesma vacina – um pouco maior do que a taxa nacional, mas ainda baixo para conferir proteção adequada.

Vacinas viram vítima do seu próprio sucesso

Com a diminuição dos riscos de transmissão de algumas doenças (algumas até já erradicadas no Brasil, como a poliomielite), a população passa a se preocupar mais com mensagens equivocadas sobre a imunização do que com a importância de se proteger. Esse é um dos fatores que levam à criação dos movimentos antivacina, que lamentavelmente crescem em todo o mundo e trazem prejuízos irreversíveis à saúde pública. O fenômeno não tem base científica e compartilha reflexões capazes de aniquilar os ganhos que o Brasil alcançou com a vacinação.

“Nunca devemos baixar a guarda. Os patógenos (organismos, como vírus e bactérias, capazes de levar a enfermidades) estão ao nosso redor. Se a cobertura não for boa, corremos o risco de ver casos de doenças que já foram responsáveis por milhares de complicações e mortes”, frisa a infectopediatra Angela Rocha, chefe do Setor de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), em Santo Amaro, área central do Recife. “Estou no serviço desde 1973 e já acompanhei doenças que eram muitos comuns, como difteria. Houve uma época em que o setor atendia anualmente mais de 200 casos da doença, hoje controlada graças à imunização”, diz a médica.

Em Pernambuco, o último caso de difteria aconteceu no ano passado: um jovem de 18 anos, residente em Salgueiro, no Sertão, teve a infecção. Em 2017, não houve casos e, em 2016, uma bebê menor de 1 ano, moradora de São Lourenço da Mata, no Grande Recife, teve a doença. Como o Brasil apresentou redução na incidência da enfermidade por causa da ampliação das coberturas vacinais, a difteria se tornou rara.

A taxa atual para difteria, no entanto, requer cautela em Pernambuco. Em 2018, a cobertura vacinal, que deveria ser de 95%, ficou em 89,5% entre os menores de 1 ano. Um detalhe é que a vacina também protege contra coqueluche e tétano. Assim, quem não está imunizado fica susceptível às três doenças.

“As vacinas são mesmo vítimas do seu próprio sucesso. Com as aplicações rotineiras nos anos 1990 e 2000, tivemos praticamente controle das doenças que eram vistas com muita frequência, como sarampo e pólio. A imunização também diminuiu bastante a incidência das doenças meningocócicas. Não temos mais epidemias dessa enfermidade como há anos. Então, isso passa uma falsa segurança para as famílias, que deixam de se proteger porque não veem mais casos”, salienta o pediatra Eduardo Jorge da Fonseca Lima, que não se cansa de lutar contra o antivacinismo.