Perdoar faz bem à saúde e traz um bem-estar duradouro

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 27/12/2018 às 7:44
Perdão é capaz de recriar laços afetivos ou fraternos entre pessoas que foram abaladas e afastadas pelo ressentimento (Foto: Freepik)
Perdão é capaz de recriar laços afetivos ou fraternos entre pessoas que foram abaladas e afastadas pelo ressentimento (Foto: Freepik) FOTO: Perdão é capaz de recriar laços afetivos ou fraternos entre pessoas que foram abaladas e afastadas pelo ressentimento (Foto: Freepik)

O fim de ano é um tempo convidativo para se cultivar a paz, praticar o amor, exercitar a reflexão, o perdão e a reconciliação. Mas perdoar nem sempre é fácil. Pedir perdão idem. Afinal, a tarefa de colocar em prática essas decisões pode reavivar tempos de sofrimento, que prendem à dor. Mas será que, a partir do momento em que concedemos o perdão a alguém que nos magoou, somos tocados por um bem-estar duradouro? Dizem estudiosos do tema que a saúde agradece ao remitirmos as faltas, pois abrirmos mão das sensações negativas, das tensões, angústias e silêncio. “O perdão é uma das coisas mais belas que o ser humano possa experimentar. É uma atitude que ajuda as pessoas a retomarem suas relações”, diz o bispo auxiliar da arquidiocese de Olinda e Recife, dom Limacêdo Antonio da Silva, que participou do programa Casa Saudável, na TV JC, sobre o tema.

Confira:

O rancor, a mágoa e o ressentimento, antes de afetarem aqueles que nos golpearam, podem causar um mal ainda maior na gente. É por isso que, segundo os especialistas, a atitude de perdoar não pressupõe que vamos esquecer as injúrias. É uma decisão que pode ser o berço do bem para nós mesmos e para quem nos feriu. É nesse percurso que o perdão é capaz de edificar pontes onde a raiva cavou um precipício e de recriar laços afetivos ou fraternos entre pessoas que foram abaladas e afastadas pelo ressentimento.

“O papa Bento XVI dizia que o perdão não é uma negação do erro, mas proporciona que a pessoa faça um caminho de cura espiritual e de relacionamento, pois o pecado está ligado não apenas às atitudes pessoais, mas também a ações comunitárias”, frisa dom Limacêdo. Com esse depoimento, o religioso vai além da definição de que o perdão ocorre somente entre pessoas. É um ato que simboliza mais do que fazer cessar a raiva pelo ofensor, pois representa também uma substituição de emoções negativas por outras positivas.

Dom Limacêdo acredita que o perdão está na dimensão da possibilidade de dar uma nova chance a quem praticou alguma ofensa (Foto: Guga Matos/Acervo JC Imagem)

Para o psicólogo Spencer Júnior, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (UPE), o perdão é uma doação consciente capaz também de romper o vínculo negativo entre o ofendido e o agressor. “Muitas vezes, a pessoa termina por se fazer mais danos a partir do mal que recebeu, e isso a leva a um processo de escravidão diante do transgressor. A ruptura ocorre no momento que a pessoa ferida percebe que o mal que foi feito a ela pode ser prolongado e maior, de acordo com o gerenciamento emocional que ela tem do dano que teve”, explica Spencer, que também foi entrevistado durante o programa na TV JC sobre o assunto. Nesse ponto, quem foi ofendido se dá ao livre direto de sair da condição de ressentido. “Abre-se mão do papel de vítima e se libera do outro (daquele que causou contrariedade). Assim, recupera-se o bem-estar subjetivo”, acrescenta o psicólogo, referindo-se à restituição de sentimentos como felicidade e satisfação de vida associada ao perdão.

Diante desse cenário, vem à tona o perdão emocional, caracterizado pela substituição de reações negativas por outras positivas, que podem ser capazes de neutralizar o rancor e a mágoa. “O perdão está na dimensão da possibilidade de se dar uma nova chance (a quem praticou alguma ofensa). Cada um de nós temos momentos de fraqueza e de desilusões. No campo da possibilidade, podemos avaliar que a pessoa não queria ter aquele gesto que cometeu. É (o exercício de) se colocar no lugar do outro: ele consente que errou e precisa daquele perdão para se reintegrar”, aconselha dom Limacêdo.

O psicólogo Spencer Júnior ressalta que estudos mostram como pessoas, que cultivam a mágoa por muito tempo, terminam desenvolvendo algumas doenças somáticas (Foto: Guga Matos/Acervo JC Imagem)

A jornalista e escritora Malu Silveira, 27 anos, autora do livro Tudo passa, esse amor vai passar também (produção independente, 64 páginas), sente que o perdão é um processo extremamente doloroso. Esse mote, inclusive, dá o norte a uma das crônicas que ela traz na publicação. “A verdade nua e crua é que, em vários momentos, não estamos preparados para perdoar o outro. Seria ótimo relevar tão rapidamente os deslizes alheios. Mas, para muitos de nós, não é fácil, principalmente se nossas vivências foram cruéis”, escreve Malu. Ela destaca que a prática do perdão leva a processo de duplo sofrimento: o de conceder perdão a quem praticou ofensas e o de se autoperdoar por carregar sentimentos negativos por uma pessoa que praticou atitudes ruins.

“Vivemos num mundo que simultaneamente estimula o perdão e incita a mágoa entre os próximos. Às vezes, somos forçados a perdoar precipitadamente quem nos decepcionou porque, para a sociedade, é a coisa mais certa a se fazer. Mas não sigo esse princípio. Acho que esse movimento (de perdoar) deve ser espontâneo e verdadeiro”, complementa a jornalista, que diz já ter desculpado algumas pessoas. “Outras acho que nem merecem. Quem sabe, em algum dia, estarei preparada para perdoar.”

Como relata Malu, abrir mão dos ressentimentos não é uma tarefa simples; é uma missão árdua e delicada. Essa dificuldade é constatada, no dia a dia, pelos psicólogos e sacerdotes. Conta dom Limacêdo que, certa vez, uma senhora lhe confessou que, ao rezar o pai-nosso, omitia uma parte. “Ela pulava a parte ‘perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido’, porque alegava que nunca conseguiu conceder o perdão. E podemos constatar o resultado desse não perdoar na vida dela”, conta.

A falta desse tipo de reconciliação, segundo Spencer Júnior, leva a muitos malefícios que atuam na mente e no corpo. “É alto o efeito da somatização, ao longo do tempo, da descarga de substâncias estressoras no organismo. Existem estudos que mostram como pessoas, que cultivam a mágoa por muito tempo, terminam desenvolvendo algumas doenças somáticas”, frisa o psicólogo, que nos mostra como o perdão é um caminho que nos leva a uma recomposição mental e física, sem deixar de considerar que há o momento certo para essa reintegração acontecer. De fato, em muitas situações, vale a pena dar tempo ao tempo. E isso pode funcionar para fazer o perdão acontecer.