Microcefalia por zika: desafios ainda precisam ser vencidos três anos após primeira epidemia

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 05/11/2018 às 9:33
"Gostaria que fossem ofertados mais atendimentos a todas essas crianças", diz Pauliana, mãe de Agatha, 3 anos (Foto: Diego Nigro/JC Imagem)
"Gostaria que fossem ofertados mais atendimentos a todas essas crianças", diz Pauliana, mãe de Agatha, 3 anos (Foto: Diego Nigro/JC Imagem) FOTO: "Gostaria que fossem ofertados mais atendimentos a todas essas crianças", diz Pauliana, mãe de Agatha, 3 anos (Foto: Diego Nigro/JC Imagem)

O número de casos confirmados de síndrome congênita do zika saiu de 272, em 2015, para 159 em 2016 em Pernambuco. No ano seguinte, houve uma queda maior: foram 20 crianças notificadas com complicações causadas pelo vírus. Este ano, até setembro, foram 10 confirmações. Se o comportamento do zika, contudo, seguir o modelo da dengue, que é uma doença cíclica (pode reaparecer periodicamente), novas ondas epidêmicas não estão descartadas. Dificilmente o Estado estaria preparado para outra explosão de casos, pois permanecem os problemas de saneamento básico e abastecimento de água, considerados as raízes sociais das epidemias do mosquito Aedes aegypti. Por isso, especialistas reforçam o discurso de que o contexto socioeconômico relacionado ao vírus não pode cair no esquecimento. Também é preciso apoiar as famílias já afetadas, que continuam a vivenciar desafios, especialmente para ter acesso a um atendimento de qualidade.

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“Queremos manter a luz sobre os problemas associados ao zika. Houve um momento de comoção internacional, e todos os olhos se voltaram para o Brasil. Mas e agora?”, questiona a médica sanitarista Tereza Lyra, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco. Ela faz um paralelo com o ebola, que teve o epicentro da epidemia na Guiné (país africano onde vírus apareceu no fim de 2013). “Na cidade de Conacri, naquela época, toda a rede hoteleira estava ocupada por instituições de pesquisa. Agora, não tem mais ninguém, e o custo social do ebola permanece presente: milhares de pessoas morreram, e outras ficaram com problemas crônicos que agora estão sendo compreendidos. Tudo isso faz a gente pensar na zika.”

"A nossa pesquisa avaliou como a zika impactou a vida das famílias afetadas. Além disso, vimos também a questão da concepção no pós-parto, as emoções relacionadas à gravidez e as mudanças nos relacionamentos afetivos", diz a pesquisadora Tereza Lyra (Foto: Fiocruz Pernambuco/Divulgação)

Diante do subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), de cortes de recursos para a ciência e para manutenção de políticas públicas, especialistas reivindicam aos governos ações para garantir assistência de qualidade, investigações que permitam dar respostas a lacunas científicas e investimento em saneamento. “Com o fim da emergência sanitária (por zika e microcefalia), os recursos para pesquisa começam a escassear e vão escassear ainda mais, pois pesquisa em saúde pública e voltada para a população vulnerável poderá não ser mais prioridade”, ressalta Tereza.

Mãe de Agatha Beatriz, 3 anos, a dona de casa Pauliana Souza, 19, lamenta a dificuldade para as crianças com microcefalia terem acesso à reabilitação, como terapia ocupacional, fono e fisioterapia. “Gostaria que fossem ofertados mais atendimentos a todas essas crianças”, diz. Ela conta que a filha participa de sessões de estimulação visual e outras atividades, mas sabe que nem todos os pequenos conseguiram ter portas abertas em serviços de qualidade. “Quando Agatha nasceu, eu tinha 16 anos e fiquei pensando em como iria dar conta. Felizmente, tenho a ajuda de minha mãe”, acrescenta Pauliana, que também recebe suporte social da Aliança das Mães e Famílias Raras (Amar), com sede no Parque Santos Dummont, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. A entidade oferece acolhimento a mais de 400 famílias. Entre elas, 80 têm crianças que nasceram com a síndrome congênita do zika.