Suicídio: 90% dos casos podem ser evitados

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 16/09/2017 às 13:44
Pessoas que já tentaram suicídio podem encontrar maneiras de dar novo sentido à vida (Foto ilustrativa: Pixabay)
Pessoas que já tentaram suicídio podem encontrar maneiras de dar novo sentido à vida (Foto ilustrativa: Pixabay) FOTO: Pessoas que já tentaram suicídio podem encontrar maneiras de dar novo sentido à vida (Foto ilustrativa: Pixabay)

Ao lado da presença de transtorno psiquiátrico não tratado, a tentativa prévia de suicídio é o principal fator de risco para se atentar contra a própria vida. A cada três segundos, uma pessoa tenta cometer o ato no mundo. O dado é preocupante, mas há caminhos para freá-lo. O primeiro passo é pensar que quase a totalidade dos casos de suicídio está associado a um distúrbio mental, controlado à medida em que há acesso a tratamentos. Essa constatação faz a Organização Mundial de Saúde lançar uma mensagem importante: 90% dos suicídios podem ser prevenidos com acompanhamento médico especializado.

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“Geralmente, quando alguém chega ao ponto de ter um pensamento suicida, está em adoecimento psíquico intenso. Na maioria das vezes, as tentativas de suicídio estão ligadas aos transtornos psiquiátricos, como a depressão, mas também a quadros de ansiedade e impulsividade”, explica a psicóloga Luciana Gropo, integrante da Associação de Terapias Cognitivas do Estado de Pernambuco.

A especialista destaca como as pessoas que já passaram por uma tentativa prévia de suicídio podem encontrar maneiras de dar um novo sentido à vida. Para isso, profissionais que trabalham em defesa da saúde mental formam uma rede, a cada Setembro Amarelo, para reforçar que o tratamento adequado é o pilar essencial para a prevenção de tentativas de suicídio e abre portas para transformar dores, dificuldades e medos em motivação para seguir em frente para alcançar sonhos e metas. “Sabemos que, às vezes, a pessoa está dentro de um círculo vicioso (sequência de acontecimentos ruins que levam a outros da mesma natureza). Durante a terapia, trabalhamos para esse paciente entrar num círculo virtuoso (série de acontecimentos positivos). As coisas começam a dar certo, e isso ativa a esperança. Nesse contexto, nasce a coragem de assumir desafios e de ter mais segurança”, ressalta Luciana.

Imagem da psicóloga Luciana Gropo (Foto: Guga Matos / JC Imagem) “A terapia possibilita a busca de situações prazerosas e devolve habilidades sociais necessárias para se enfrentar os problemas", ressalta a psicóloga Luciana Gropo (Foto: Guga Matos / JC Imagem)

É isso que geralmente acontece quando as pessoas, que já tentaram tirar a própria vida (ou aquelas que estão em risco de cometer o ato), procuram ajuda especializada, o que inclui apoio psiquiátrico e terapêutico. Segundo Luciana, aliado ao tratamento médico e psicológico, há outros caminhos coadjuvantes para sinalizar que é possível eliminar o sofrimento e encontrar novas razões para viver. Nesse sentido, são importantes as campanhas que falam sobre prevenção ao suicídio, a espiritualidade e até mesmo atividades que podem ser incorporadas ao dia a dia, como exercício físico e meditação. “A terapia possibilita a busca de situações prazerosas e devolve habilidades sociais necessárias para se enfrentar os problemas”, frisa.

Como o risco de suicídio é uma urgência médica devido ao que pode acarretar, como lesões graves e incapacitantes até a morte, a combinação de psicoterapia e medicamentos desponta como estratégia absolutamente necessária. Sem indicação de remédio para tratar os transtornos associados ao comportamento suicida, é difícil para o paciente adotar medidas de apoio que ajudam a estimular o sentimento de esperança.

“Meditação, por exemplo, é comprovadamente eficaz para controle de ansiedade. Mas meditar sofrendo com pensamentos suicidas, sem apoio medicamentoso, pode ser pior (do que não meditar). O transtorno mental tem uma apresentação parecida com outras doenças. Se alguém tem diabetes, por exemplo, vai ter benefícios se seguir uma dieta saudável e praticar exercícios físicos. Mas não se livra de tratamento médico, mesmo com essas medidas para uma vida saudável”, esclarece a psiquiatra Sandra Peu, fazendo uso de uma metáfora que só reforça o quanto o suporte adequado vale ouro para salvar vidas.

"Minha vida tomou outro rumo. E para melhor"

* Patrícia (nome fictício), 40 anos, em depoimento a Cinthya Leite

A minha história mostra que todos estão sujeitos a transtornos mentais. Profissionais de saúde, como eu, também adoecem. Ainda na faculdade, achava que, se morresse, meus problemas seriam resolvidos, mas não planejava (em tirar a própria vida). Hoje eu vejo um problema e busco a solução, pois estou em tratamento. Se percebo algo errado em mim, procuro ajuda. Mas nem sempre foi assim: queria resolver tudo por minha conta e tomava decisões precipitadas. Logo quando comecei (a ter comportamento suicida), estava desnorteada, em depressão grave. Tentei o suicídio várias vezes.

"Para quem está passando por uma fase difícil, gostaria de dizer que transtorno mental é algo que todos nós estamos sujeitos a ter", diz paciente (Foto ilustrativa: Pixabay)

Na realidade, tenho transtorno bipolar (caracterizado por oscilações no humor: o paciente passa uma fase eufórico e/ou irritado e outra em tristeza e/ou desespero). Após a minha primeira tentativa de suicídio, não procurei ajuda. Quando vi que o ato se repetiria, recorri a um médico. Passei mais de um ano fazendo um tratamento sem efeito. Depois, encontrei uma psiquiatra que ajustou as medicações. E digo: o importante é ser fiel ao que o médico prescreve. Após dois anos em tratamento, achei que poderia tirar a medicação por conta própria e fiquei 15 dias sem remédio.

Foi quando tentei o suicídio mais uma vez. A partir desse dia, “dobrei o joelho” e reconheci que preciso do medicamento para sempre. E isso não atrapalha em nada a minha vida. O remédio faz a gente ter um pensamento funcional e afasta os comportamentos de risco. A terapia cognitivo-comportamental também me ajudou muito, assim como a espiritualidade e o apoio da família. Passei num concurso público, o que representa a possibilidade de que todos nós podemos (recomeçar). Voltei a trabalhar, a acompanhar mais o meu filho e a ter uma vida longe de pensamentos suicidas.

Para quem está passando por uma fase difícil, gostaria de dizer que transtorno mental é algo que todos nós estamos sujeitos a ter. O diferencial é procurar tratamento médico adequado. Dessa maneira, podemos ver o que nos leva a ter certas atitudes e saber a hora de pedir ajuda, deixando de lado as ideias ruins. Desde o fim de 2014, não tenho tentativas suicidas nem necessidade de planejá-las. Hoje o sol nasce, e logo abro a janela. É sinal de que a minha vida tomou um outro rumo. E para bem melhor.