Primeiro implante de ouvido biônico em criança com síndrome congênita do zika é realizado em PE

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 26/08/2017 às 10:51
Entre as lesões associadas à exposição ao zika na gestação, estão não apenas as alterações neurológicas, mas também problemas osteomusculares, auditivos e visuais (Foto: Fernando da Hora/Acervo JC Imagem)
Entre as lesões associadas à exposição ao zika na gestação, estão não apenas as alterações neurológicas, mas também problemas osteomusculares, auditivos e visuais (Foto: Fernando da Hora/Acervo JC Imagem) FOTO: Entre as lesões associadas à exposição ao zika na gestação, estão não apenas as alterações neurológicas, mas também problemas osteomusculares, auditivos e visuais (Foto: Fernando da Hora/Acervo JC Imagem)

Foi realizada esta semana a primeira cirurgia de implante coclear (popularmente conhecido como ouvido biônico) em uma criança que nasceu com a síndrome congênita do zika vírus e que está com 2 anos. O procedimento, realizado num hospital privado, foi indicado após o paciente não ter se beneficiado do uso de próteses auditivas convencionais. “No caso dele, o aparelho, usado por 1 ano e 6 meses, não serviu para amplificar o som. É uma criança que tem uma perda auditiva bilateral (nos dois ouvidos) e profunda. Ou seja, ele tinha a indicação clássica para o implante coclear. A cirurgia foi feita no ouvido direito”, informa a gerente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Agamenon Magalhães, Mariana Leal. A médica foi responsável pelo procedimento, realizado na última terça-feira (22) e com duração de aproximadamente duas horas e meia. O implante coclear consiste na inserção de um dispositivo eletrônico no ouvido que substitui a cóclea, parte do sistema auditivo sem a qual não escutamos.

A otorrinolaringologista, que já acompanhou cerca de 400 crianças com suspeita de zika congênita (destes, 140 casos foram confirmados por exames de imagem e testes laboratoriais), prevê que outros pacientes que nasceram com comprometimento auditivo decorrente do vírus também devem se submeter à cirurgia do implante coclear. “Atendemos outros bebês que estão usando prótese e sendo avaliados. Pode ser que alguns precisem passar pela cirurgia. Para outros, que têm perdas auditivas leve e moderada, a prótese pode resolver bem”, completa.

A otorrino Mariana Leal, responsável pela cirurgia, já acompanhou cerca de 400 crianças com suspeita de zika congênita. Ela prevê que outros pacientes que nasceram com comprometimento auditivo decorrente do vírus também devem se submeter à cirurgia do implante coclear (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)

A criança que foi operada na terça-feira recebeu alta hospitalar no dia seguinte, está bem e em casa. O procedimento só foi indicado após a equipe multidisciplinar (principalmente a neuropediatra) que acompanha o paciente avaliar bem o caso. Durante a cirurgia de implante coclear, o aparelho é inserido, e o nervo auditivo estimulado. A próxima etapa, que acontece 30 dias após a operação, consiste na colocação de um dispositivo – semelhante a um aparelho auditivo comum. Ele é ativado para possibilitar que o paciente comece a ouvir.

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“Ainda não podemos dizer a resposta que a criança vai ter ou a chance que existe de ela começar a escutar. Só vamos saber disso quando for feita a ativação do implante. É um paciente que tem um comprometimento neurológico causado pelo zika, mas não é dos quadros mais graves. Mesmo que o implante sirva apenas para ele perceber o som e interagir melhor com o ambiente, o procedimento já valerá a pena”, esclarece Mariana Leal.

A otorrinolaringologista acrescenta que a linguagem, nos pacientes com perda auditiva profunda e bilateral que recebem o implante coclear, tem mais chance de ser desenvolvida quando não existe comprometimento neurológico. “Se a cirurgia for feita abaixo dos 2 anos e meio nos casos de perda auditiva congênita, melhor será para estimular a linguagem. Mas isso não é o que podemos esperar para a população das crianças acometidas pelo zika porque elas têm comprometimento neurológico expressivo”, frisa Mariana.

PIONEIRISMO

A otorrinolaringologista Mariana Leal faz parte de um grupo de pesquisadores de Pernambuco que documentou o primeiro caso de um bebê com microcefalia e perda auditiva decorrente da síndrome congênita do zika. O relato, publicado em junho de 2016, no Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, apresenta o quadro de uma criança pernambucana cujo irmão gêmeo nasceu sem a malformação congênita. “É um caso clássico porque a criança tem manifestações da síndrome congênita do zika comuns à maioria dos bebês com microcefalia com perda auditiva”, explica Mariana Leal, autora principal do estudo.