Medicamento para prevenir e tratar zika? Cientistas avançam no desenvolvimento de fármaco contra o vírus

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 16/08/2017 às 9:45
Otavio Valério de Carvalho é coautor do estudo da Fiocruz PE que  descobriu substância capaz de bloquear o zika vírus (Bobby Fabisak/JC Imagem)
Otavio Valério de Carvalho é coautor do estudo da Fiocruz PE que descobriu substância capaz de bloquear o zika vírus (Bobby Fabisak/JC Imagem) FOTO: Otavio Valério de Carvalho é coautor do estudo da Fiocruz PE que descobriu substância capaz de bloquear o zika vírus (Bobby Fabisak/JC Imagem)

Pesquisadores da Fiocruz Pernambuco caminham rumo ao desenvolvimento de uma medicação capaz de ser utilizada em duas situações: em pessoas que são expostas a um quadro de risco para a infecção pelo zika e também em pacientes que desenvolveram os sintomas da doença e precisam bloquear a proliferação do vírus no organismo. A primeira etapa para o desenvolvimento do medicamento foi cumprida com maestria. Na fase in vitro (no laboratório), os cientistas descobriram que a substância 6-metilmercaptopurina ribosídica (6MMPr) pode ser um potencial medicamento antiviral contra o zika, pois é capaz de bloquear a replicação do vírus em células nervosas e epiteliais humanas. Os achados estão documentados na revista científica International Jornal of Antimicrobial Agents.

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“Os resultados são relevantes para a prática clínica. Se uma gestante, por exemplo, sabe que uma pessoa adoeceu por causa da zika na rua onde mora, ela poderia receber a medicação para prevenir a infecção pelo vírus”, explica o médico veterinário Lindomar Pena, pesquisador do Departamento de Virologia e Terapia Experimental da Fiocruz Pernambuco.

"Identificamos uma substância que já inibe muito bem o zika. Mas, se ela bloqueia 99,6%, queremos chegar a 99,9%. Esse aperfeiçoamento também pode ser necessário no caso de se perceber a existência de algum efeito colateral, o que é muito comum nos testes com drogas", reforça Lindomar (Foto: Ascom/Fiocruz PE)

Coordenador do estudo, Lindomar destaca que leva tempo para que uma situação como essa deixe de ser hipotética. “A partir do momento em que se identifica uma substância-líder (com potencial para projetar novos fármacos), a média é de dez anos para que ela cumpra todas as fases e se torne um medicamento. Devido à gravidade do zika e da necessidade de se ter uma terapia (contra a doença), diria que esse tempo pode ser reduzido pela metade. É preciso que sejam cumpridas todas as etapas com muito rigor por questões de segurança”, frisa Lindomar.

A equipe do pesquisador preencheu todos os critérios para o teste laboratorial, de validação da 6MMPr. Em breve, será iniciada a segunda fase, de investigação em animais, cujo protocolo já foi estabelecido. Serão feitos testes em camundongos e também em outras espécies (confira detalhes no quadro abaixo).

No caso de pacientes que adoecem em decorrência da infecção pelo zika e evoluem com comprometimento neurológico (como a síndrome de Guillain-Barré, doença autoimune capaz de levar à paralisia), um medicamento antiviral poderia ser indicado para o tratamento. “Seria interessante uma substância dessa tratar essas complicações no início dos sintomas. Então, precisamos fazer mais estudos”, avalia. O pesquisador acrescenta que atualmente a equipe colabora com outros grupos de estudo para analisar a necessidade de se aperfeiçoar a 6MMPr para uma possível melhoria da atividade e segurança da substância durante o processo de bloqueio da replicação do zika.

“O teste in vivo (animais) é essencial para mostrar a eficácia da 6MMPr, que pode ser modificada para que a gente consiga melhorar os ‘atributos’ dela. Ou seja, é uma substância que já inibe muito bem o zika. Mas, se ela bloqueia 99,6%, queremos chegar a 99,9%. Esse aperfeiçoamento também pode ser necessário no caso de se perceber a existência de algum efeito colateral, o que é muito comum nos testes com drogas”, reforça Lindomar.

A Fiocruz PE desenvolve uma série de estudos sobre o zika, um dos vírus transmitido pelo Aedes aegypti (Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem)

Outros pesquisadores têm estudado moléculas capazes de diminuir a produção de zika. O diferencial dos cientistas da Fiocruz Pernambuco é que eles mensuraram a atividade do vírus nas células. “Além disso, nem todos os estudos avaliaram a replicação do zika. E o nosso analisou não só nas células epiteliais, mas também nas neuronais, já que o vírus tem predileção pelo sistema nervoso em desenvolvimento e ainda pelo cérebro de pessoas adultas, que podem ser afetadas pelas síndromes neurológicas.” A primeira fase do estudo, que teve duração de um ano, contou com recursos financeiros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe).